segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

Tela branca

É desafiadora a tela branca do Word esperando um texto. Os dedos se preparam para escrever. O poeta Kleber Adorno, em um dos poemas do seu livro Sinfonia do Só, suaviza as funções das mãos: “São as extremidades ativas do corpo”.  Meus dedos inquietos  puxam a alma para o teclado inerte. Abro um caderno cheio de anotações. São fragmentos de fatos que acontecem na semana, as quais utilizo para escrever a crônica semanal. Sinto a mente cheia de ideias. Contudo, hoje, dormem nas linhas traçadas na página rota. 
                      
Olho as palavras escritas à mão. Elas continuam paradas pedindo para sair do escuro das notas feitas às pressas. No carro, no silêncio da madrugada insone, no ato da reflexão diária, numa palavra solta por alguém na rua, nas lembranças furtivas do passado, na leitura de um livro; uma música, um quadro. Minha lerdeza criativa espera sentir o sopro divino para escrever no vai-e-vem das emoções.
                     
O processo de criação é penoso quando as emoções não recebem o espírito criador. Sem essa chama somos incapazes de elaborar um pensamento elevado. E as palavras anotadas num momento de inspiração permanecem mortas. Às vezes uma ou outra salta do caderno. Até ele cria asas e fica a frente dos olhos cutucando a imaginação. Mas, elas precisam de uma liga espiritual para dar sentido ao texto.
                       
Escrever parece fácil, mas não é. Sabe por que parece fácil? Porque sempre a imaginação está nas nuvens, nunca ao alcance das mãos. E o nosso olhar se volta, quase sempre, para o outro, para o particular, o defeito humano e a incorrigível mania de patrulhar o comportamento alheio. Isso retarda a criação artística. Uma antropologia reversa. Quando olhamos na mesma direção, compreendendo os limites humanos, sublimamos os sentidos.
                        
Vixe! Estou indo por um caminho diferente do que costumo percorrer; falando de assuntos filosóficos. Prefiro a amenidade dos bons cronistas e poetas. Tanto falo, tanto escrevo que imagino que, mesmo sem querer, machuco alguém. Outro dia, um leitor me disse que minhas palavras escritas aqui no DM o ajudou a sonhar um pouco com uma fase da sua vida em que morava no Bairro Popular. Menos mal que seja assim.
                          
E o olhar insone da torre do relógio da estação continua olhando o passo de quem está no Bairro Popular. Agora, a tela branca do computador me olha perguntando qual a razão da imprecisão das palavras impressas pelos dedos. Voam para dentro do intrigante computador que as devolve escritas numa sequência que parece redonda.
                          
 Chego à janela, atraído por um chamado para ver se o mundo continua redondo. Prédios e árvores são obstáculos para eu ver além dos  limites dos olhos. Os dedos param de escrever. Encerro essa crônica com a sensação de que poderia fazer melhor. Fica a promessa para a próxima semana. Mas, meus cabelos balançam no vazio entre a cadeira e a desafiante tela branca.
                             
Doracino Naves, jornalista, diretor-apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (http://www.raizestv.net/)
                             
                                                                                                                                                                                                                                                            

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