terça-feira, 22 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

Jornalista tardio

 
      Se eu não fosse jornalista seria músico. Mas sou um tocador de cavaquinho frustrado que não aprendeu extrair dele uma nota sequer. Aliás, essa é a frustração da minha infância que foi como disse Millôr Fernandes: "Dura! Dura! Linda! Linda!". O caso do cavaquinho aconteceu assim: Meu pai, Zequinha Naves, antes de ser Coletor Estadual fora, junto com meu tio Dedé - Ezequiel Naves de Almeida - donos de cartório em Palmelo. Era um cartório de cidade pobre do interior, ali pelos idos de 1955. Portanto, cartório dava pouco dinheiro e havia pouca grana para manter os filhos.
            Querendo melhorar a renda meu pai se preparou para ser Coletor Estadual. Quando foi empossado tirou parte do seu primeiro salário para comprar um cavaquinho lindo. Este foi o primeiro presente que ganhei do meu pai. Ficou marcado pela minha falta de jeito com o instrumento.  Sou analfabeto musical; não tenho nenhum talento para a música.

           Palmelo, naqueles tempos de Jerônimo Candinho, era praticamente rural. Acho que até hoje é assim. Aprendi a nadar no Córrego Caiapó, cheio de cintilantes peixinhos miúdos com pequenas pedras coloridas no leito das águas claras da primavera. Vida de criança do interior e cheia de folguedos. Atirei pedras com estilingue nas mangueiras do vizinho. Jogava futebol num campo de terra batida onde ralava meus joelhos no chão duro. Amei, no fundo do quintal, escondido entre as bananeiras,  as meninas vestidas com macios panos de  chita. Essa fase de moleza durou até aos dez anos. Aí, num dia qualquer de 1959, a família se mudou, de mala e cuia, para Goiânia.

          Tempos depois, após 25 anos num escritório de contabilidade, entrei na Universidade Católica para cursar jornalismo. Isto foi em 2004. Por essa causa sou um jornalista tardio. Continuo um animado aprendiz de jornalismo. Tento me renovar sempre no gosto pelas formas com nova visão dos fatos.

         O jornalismo opinativo tem o seu valor pela experiência de quem escreve. Mas nada melhor do que uma boa reportagem. Daquelas em que o repórter sofre para apurar os fatos e, depois, satisfeito com o final do trabalho, dá a notícia como se houvera fisgado um peixe grande. A realização do jornalista pode vir num texto romanceado, na voz alegre de quem anuncia o fim de uma Guerra Mundial ou na expressão serena de um repórter diante das câmeras anunciando o fim de um sequestro. Acho que essa minha paixão pelo jornalismo vem da época do Repórter Esso.
         Pôxa, ao me lembrar dessas coisas antigas me vem a sensação de que já descambo pelo outro lado do morro.                          
        E a alma da gente vai ficando por aí, perdida nas metades do outro. A gente deve ser assim, rasa e intensa como é o leito de um riacho descendo a ladeira.
        Pois é. Turvar a água do córrego não significa que elas fiquem profundas.
         
       
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, www.raizestv.net, PUC TV, sábado, 12h30. Escreve aos sábados no DMRevista.

                           

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