quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

Chuva de Outubro

Desço a estrada de Anápolis rumo a Goiânia, depois da visita a um amigo enfermo. Olhos atentos à estrada; os pensamentos piscam imitando os pirilampos que voam sobre o chão queimado do Parque Altamiro de Moura Pacheco. O fogo destruiu a maior parte da reserva.

Não quero morrer agora. Ainda não cumpri meu papel nesse mundo. Por essa causa minha hora não chega. Será que ainda tenho uma missão a cumprir aqui?  Acho que não. Nem me julgo importante para merecer uma tarefa especial de Deus. Os anjos do Senhor, tal qual pirilampos, voejam sobre a minha existência.

Faço o inventário da minha vida. Jogo tudo na balança. Meus erros pesam mais. Sabendo que um dia tudo tem um fim, começo a compor os versos de espera da hora final. Fico igual ao namorado que espera a mulher: olha a hora, respira, fuma um cigarro, vê em volta, ouve sons. Escuta os passos cadenciados que tocam a calçada. O coração, movido pela ansiedade, bate descompassado. “É ela!”  Ainda não.

Está atrasada. Mas ele espera. Resolve esperar mais dez minutos. Se não chegar vai embora. Espera mais meia hora. A ansiedade o faz esperar mais. Por que demora tanto?  Finalmente o milagre: ela chega como presente do céu. O coração do namorado se acalma. Eu, com meu botões, penso no futuro.

Enquanto racionalizo a perspectiva do fim, sonho para celebrar a vida. Ao terminar a descida das curvas em declive chego à curva “Lá, Goiânia!”. Enxergo as luzes da cidade. Meus olhos piscam na velocidade em que mudo os pensamentos.

Deixo a BR-153; entro no Jardim Guanabara. Está bonita essa avenida que não sei o nome: larga, duas pistas cruzam o bairro de norte a  sul. Dali, rumo ao centro, tem um quartel. Lembro um poema de Gilberto Mendonça Teles.

-Teje preso!Ocê num sabe
que é proibido namorar
detrás do quartel?

-Teje solto! Nóis num sabia
que o sinhô era amigo
da mulher do coronel.

Depois do quartel uma chuva fina põe luz no asfalto. Os pneus chiam na pista molhada. Olho para baixo; tenho tontura quando baixo os olhos. Decidido, levanto a cabeça. A chuva, ao cair através das luminárias da Avenida Goiás, se transforma em gotículas de luz correndo pelo asfalto.

As ruas se transformam em rios. O carro, igual a um barco de sonhos, rompe as águas da enxurrada de outubro. Goiânia se fez uma ilha; eu também.


Doracino Naves é jornalista, diretor-apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (http://www.fontetv.net/)


Foto de: Renato reis

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