segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

No Lombo das Pedras

São coloridas as flores; amarelo-ouro as borboletas das matas do Porto dos Barreiros. Perto dali, as correntezas frias e espumantes do Rio Paranaíba galopam no lombo das pedras pontiagudas.

Um cabo de aço preso em duas estacas atravessa a madrugada do barqueiro Zequinha. Uma balsa tosca de madeira atravessa o rio de  esperança; ela mora do outro lado. O barqueiro sonha com as lavrinhas do além rio. O fio, esticado entre as estacas, toca nas águas como se fosse corda de violão zunindo nos gerais.


Zequinha com a capanga do almoço a tiracolo entra na balsa boiando nas muitas águas de março. Ajeita num canto, pra hora da precisão, um remo de madeira gasto pelo tempo; O barqueiro quer a margem de Goiás. Precisa vencer a corredeira até o porto da outra margem pra alimentar sua trinca de filhos. As mãos tostas pelo sol grudam no arame como pés de canário preso na ‘fisga’. Seus braços de aroeira aluem a balsa; o corpo do barqueiro dança bêbado com a força das águas. Suas mãos se alternam no ar, na corda; a balsa desliza pelo rio. O movimento da canoa escreve um poema nas águas igual vaga-lume na noite escura da mata.

No banco do meio, seu filho magro, descalço e sonhador se encolhe de frio. O corpo pequeno e frágil fica retesado. Os pés machucados pelos tropicões nas pedras e tocos dos trieiros mergulham na água podre dormida debaixo do banco. Enquanto isso o menino assovia imitando o canário da beira-rio. No seu pensamento só a lembrança da mãe e seus irmãos na espera.

Seus olhos castanhos estão longe. Nem dá atenção aos movimentos do pai ou ao perigo das corredeiras do rio; olha firme rente a proa. Seus olhos espreitam a outra margem. Eles abrem portas nos céus que estão do lado de lá. No alto do rio o vento sopra forte. Um relâmpago explode deixando no ar um clima assombroso. O trovão zune nos ouvidos da floresta. As árvores balançam de medo da fúria da tempestade; o céu escurece rápido. Um raio ligeiro rasga o ventre do sertão e corre pelas águas  agitadas. As ondas do rio somem com o barqueiro e o menino.

O canto do canário amarelo ecoa na mata chamando o menino. Ninguém responde. Até o vento para de soprar. Viúvas, as águas soluçam por cima das pedras do grande rio. A jangada, à deriva, escorrega pelo rio; o remo puído está órfão. A matula fria dentro de uma capanga de pano é abandonada no fundo da balsa. Borboletas amarelas voam confusas sobre a balsa

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