segunda-feira, 25 de março de 2013 | By: Doracino Naves

Águia Romana


Nessa manhã em que nuvens baixas acariciam Goiânia com gotículas de chuvas caindo mansamente sobre a cidade, destaco, da minha discreta janela, um bando de beija-flores voejando sobre o prédio do Augustus Hotel. Não são miragens, nem beija-flores de verdade, mas elas estão lá, pintadas com pincéis alados no alto do edifício.

Por que beija-flores e não águias foram pintadas no prédio do hotel com nome latino. Essa comparação simbólica, e a cidade encoberta por neblina, me faz lembrar a história das três legiões romanas derrotadas na célebre Batalha da Floresta de Teutoburgo, em 9 d.C . Os romanos, emboscados pela tribo germânica dos queruscos, foram abatidos um a um. O combate foi travado em meio a forte neblina nos bosques impenetráveis, cheios de colinas e barrancos. Um lugar perfeito para os nativos que conheciam muito bem os morros e brejos da região. As três poderosas legiões romanas foram totalmente aniquiladas. 

Essa derrota, conhecida como o Desastre de Varus, que os romanos esconderam por muito tempo, mostrou que mesmo o poderoso exército romano poderia ser vencido. Então, essa crônica sai da mente como convém a um cronista de boas intenções: associando utopias e retalhos da história do homem. Simão - judeu escravizado pelo exército romano que alistava soldados dos povos dominados para melhorar os pontos fracos da cavalaria - lutava sonhando com a cidadania romana ao lado do porta-estandarte.

Durante a batalha, o portador da bandeira sagrada foi atingido por uma lança e caiu morto. Simão sabia que era inadmissível abandonar a insígnia, mesmo na hora de perigo. Tomou-a com as duas mãos fazendo-a rebrilhar à frente da Legião Romana. Armínio, líder da emboscada dos queruscos, abateu Simão à espada. Em seguida tomou posse da bandeira mais poderosa da história das guerras. Os queruscos gritaram de alegria pelo feito do seu comandante.

Tempos depois, o então General Tibério, chefiou várias campanhas pelo local da derrota, recuperando o símbolo sagrado da Legião Romana perdido na Batalha de Teutoburgo. Retomou, assim, a posse da honrosa e antiga insígnia. A Águia Romana, distinção conceituada pelos romanos, criada em prata e ouro por Gaio Júlio César, em 104 a.C. é considerada pelos historiadores como a insígnia mais antiga. Augustus a fez de ouro puro tornando-a mais desejada.

Essa é a moralidade iniciática da história da Águia Romana: jamais abandonar a honra, a dignidade e o ânimo, mesmo nos períodos tormentosos da vida. E ao clarear essa história vejo soldados esfarrapados socorridos por crianças encantadas. Por isso eu posso ver o horizonte além das nuvens.

(Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista em 22 de março de 2013 - Goiânia - Goiás).

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (programaraizes.net). Escreve aos sábados no DMRevista.
terça-feira, 5 de março de 2013 | By: Doracino Naves

Tosão de Ouro

Atravessar o mar Egeu sem destino em busca do Velo de Ouro fez Hércules parar os seus doze trabalhos e se juntar a Jasão e aos argonautas.  A lenda dos argonautas narra que o Velocino de Ouro foi feito por Frixo com a lã dourada do fulgurante carneiro que era inteligente e voava como um pássaro.  Exausto pela viagem vertiginosa sobre terras e mares na fuga para longe da Grécia, deu seu último suspiro no alto dos picos do Cáucaso, entre a Europa e a Ásia. Seu espírito subiu às estrelas formando o Carneiro do Zodíaco; a sua lã de ouro ficou aqui embaixo. A cobiça pelo talismã, segunda a crença, liberava riqueza e poder a quem o possuísse. Isso levou os seus donos a pendurá-lo num carvalho sob a guarda de um dragão que nunca dormia. Jasão foi encarregado a roubar o Velo de Ouro com a ajuda dos argonautas.
                     
Os alquimistas acreditam que essa lenda inspirou Felipe III, duque de Borgonha, a criar o Tosão de Ouro. Na prática Tosão de Ouro é uma Ordem de Cavalaria fundada para a defesa do reino e da fé cristã.  Para confirmar essa versão teísta, que julgo verdadeira, durante o ato de criação da Ordem de Cavalaria Tosão de Ouro passeou entre os convidados um carneiro vivo pintado de azul, emblema do Agnus Dei que tallis peccata mundi  - Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo – que é Cristo. Hoje o Tosão de Ouro é exclusivamente honorífico.
                      
Sendo assim, O Tosão de Ouro representa uma alegoria do Velho Testamento na qual aparece Gideão sendo preparado para a vitória sobre os vizinhos ambiciosos. Ele foi um homem valente, mas, durante um tempo se escondeu diante do domínio dos midianitas, beduínos primitivos do deserto da síria que saqueavam a agricultura e o rebanho dos hebreus. Gideão, preparando-se para a batalha, pede um sinal a Deus, na lã, com ou sem orvalho, no sentido de fortalecer a sua fé e provar a sua liderança. Deus primeiro responde com a lã encharcada. No outro dia a lã estava seca, porém, cercada de orvalho. A água transformou a lã do cordeiro no ouro da promessa.
                        
O Tosão de Ouro foi uma ordem cavalheiresca formada por líderes em defesa do bem. Quem lidera deve se renovar constantemente. Gideão foi um exemplo de mudança interior com muita fé. Tentando adivinhar o que ia ao seu coração, talvez ele dissesse: eu sou um homem nascido que procura nascer de novo. Quero me transformar. Assim, do orvalho da manhã renasce a vida cheia da força do eterno retorno. O dia seguinte surge com o dourado alvorecer.
                       
Considero o Tosão de Ouro uma boa imagem da superação. Seja na versão alquimista ou na concepção teísta a vida é pavimentada com pedras irregulares. Nossos pés, cascos de cavalos cegos, caminha sob caminhos  encorcovados onde o futuro é denso e escuro. Talvez daí venha o medo. Jasão ou Gideão tiveram medo, mas venceram-no.

                              Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV(www.raizestev.met). Escreve aos sábados no DMRevista.