segunda-feira, 27 de maio de 2013 | By: Doracino Naves

Prosa sobre Goiânia

Ninguém pode dizer que conhece Goiânia sem conversar com um morador antigo; pioneiro ou filho de pioneiro espalhados pela cidade. Quem quiser perceber a alma goianiense precisa andar pela Vila Nova ou Campinas que ainda resistem com estoicismo aos arranha-céus plantados nos bairros mais novos. Para ver melhor as primeiras construções da capital o melhor é descer do carro e caminhar atento pelas áreas de residências do centro que ainda conservam casas antigas na Alameda Botafogo, Rua 15, Ruas 20 e 24, ou nas ruas e becos centrais. Quem gosta de Goiânia deve saber onde é o Bairro Popular. E o Instituto Araguaia que desapareceu com sua fonte de águas cristalinas; podiam ser bebidas no escuro. Por falar nisso cadê as nossas águas puras? E o Rio Meia Ponte, o Tejo dos poetas goianienses, está morrendo. O romantismo da cidade volta na imaginação do cronista.

Levante cedo para conversar com os mais velhos numa das padarias em volta do Lyceu de Goiânia, que foi o berço da cultura dos primeiros moradores. Preste atenção no conjunto Art-déco da Praça Cívica ou na beleza das construções dos anos setentistas do Setor Sul.

Observe a beleza arquitetônica do centro histórico camuflada pelas placas e tapumes colocados sobre a fachada dos prédios construídos no início da cidade. Eles guardam cores sobrepostas pelo tempo com uma beleza lírica que um dia há de voltar para contar a história da saga dos fundadores. Ninguém deve esquecer que Pedro Ludovico foi o construtor de Goiânia; Venerando de Freitas Borges o seu primeiro prefeito; Amália Hermano, sacerdotisa da cultura; dedicada às artes e às plantas; Colemar Natal e Silva, articulador que fundou as mais importantes entidades culturais do estado; Belkiss Spenciere, nossa musicista de espírito universal; Boaventura Moreira de Andrade, vereador que morreu pobre e andava de bicicleta em busca de melhorias para a região leste.

Quem quiser conhecer mais ouça quem escreve e canta Goiânia em prosa e verso: Bariani Ortêncio, José Mendonça Teles, Miguel Jorge, Geraldo Coelho Vaz, Luiz Aquino, Luiz Augusto Sampaio. Se um político novo - daqueles que se julgam o centro do universo - deseja seguir o idealismo da política pura feita quando Goiânia nasceu, procure conhecer quem foi Alfredo Nasser ou Mauro Borges Teixeira. Se um repórter deseja falar com gente dessa época e desse quilate, dê um jeito de entrevistar Nion Albernaz ou Messias Tavares, que conhecem as voltas da peleja política, cuja arte deveria ser o bem coletivo.

Goiânia tem histórias mais interessantes do que julga a vã filosofia dos ouvintes da música sertaneja universitária; ela, Goiânia, é intensa e sensível como são os acordes do piano eterno de dona  Belkiss.

Para mergulhar na história da cidade é mais seguro pesquisar no arquivo estadual, no Instituto Histórico ou nos museus próximos à Praça Cívica. Lá a gente pode descobrir porque a cidade é desse jeito; desvairada e bela.

Pois é, se deseja conhecer a notícia que deu nos jornais consulte as edições anteriores dos mais antigos em circulação: O Popular e o Diário da Manhã. Aí, meu leitor,  você vai descobrir a importância transcendental dos artigos dos jornalistas Batista Custódio e Armando Acioli, dois dos maiores nomes do jornalismo goiano de todos os tempos.

Assim, para conhecer a metrópole moderna - seus shoppings, mercados e praças, suas ruas cheirosas e iluminadas; uma cidade onde a alma caipira  se encontra; conversa, ri, pinta, escreve, faz música, leis e regulamentos - permita que a magia da cidade inspire uma nova canção.

A vasta Goiânia de hoje reúne fragmentos de homens valentes – da cor de espiga queimada – vindos de todos os cantos do mundo; de remotas viagens e aventuras pelas matas e a vastidão do cerrado.

Quando uma figura ilustre morre a cidade jamais será de novo a mesma. Porém, o seu exemplo fica para o futuro.

Esse é um jeito de conhecer Goiânia.


(Doracino Naves, jornalista: diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV - www.programaraizes.net - Crônica publicada no jornal Diário da Manhã - Goiânia - Goiás em 25 de maio de 2012). 
segunda-feira, 20 de maio de 2013 | By: Doracino Naves

Serenidade


Todos os dias acordo orando por serenidade. Talvez essa seja uma fórmula para entender as complicações do mundo. Vejo Goiânia acordar preguiçosa e indiferente. A luz do dia tem tons azuis mostrando a trilha da serenidade. Nem consulto Nietzsche ou Descartes sobre isso. O burburinho de vozes torna diáfanos os labirintos da serenidade que é encontrada na paz do convívio com o próximo. Cada ambiente tem uma energia peculiar. A egrégora gerada pelos moradores é suficiente para plasmar a vocação da cidade.
        
Carros arrancam divergentes da Praça Cívica; outros a convergem. Pedestres apressados correm para pegar o seu ônibus. O sino da Catedral de Goiânia bate sete horas. A escultura de Pedro Ludovico, montada em seu cavalo vê uma cidade estranha e agitada surgir a sua volta. A escultura de Neura Moraes testemunha Goiânia se perder numa correria insana; a Praça Cívica fervilha de gente. Entretanto, percebo paz nos olhares; atalho seguro para a serenidade. Livros imaginários pendem das árvores em frente ao museu da Rua 26. A alma culta de Pedro consagrou Goiânia à posteridade pelo batismo cultural. As pessoas passam resolutas.
          
Há uma cadência serena no andar de homens e mulheres que caminham passos regulares; os pés irradiam serenidade. Essa firmeza na jornada torna a alma da cidade mais amena. Aqui os mendigos se vestem de uma brilhante roupagem espiritual para subirem aos céus; suntuosas vestes podem revelar andrajos espirituais. Num determinado dia todos os homens serão iguais numa vida futura. Mas, enquanto isso, na cidade também há lugares de ocupações frívolas e secretas. O caminho imperfeito desenha passos irregulares. Então, o descompasso também é descaminho. E a serenidade?
             
Está na relação amistosa com o outro, sem evasiva ou reserva mental. Com um pouco de serenidade e reflexão poder-se-ia evitar o mal do orgulho e a destruidora ambição. A humildade e a discrição consciente são formas para demonstrar a luz restauradora da serenidade. Trêmula, a luz do dia converge a um ponto central da Praça Cívica clareando os olhos incrustados de ouro das figuras que representam as três raças de Neusa. Há uma aura de plangente serenidade no olhar do negro, do índio e do branco. A quietude da Praça Cívica  mostra indiferença ao que acontece ali.
               
Carregadores da Comurg recolhem sacos de lixo. Um homem de terno vagueia entre os carros estacionados. Cada qual leva na alma o desejo de serenidade. Toda a essência de Goiânia é impressa num quadro branco moldado pelo pensamento de cada habitante.  E o espaço que Goiânia ocupa no mapa é ocupado pelo cintilante azul da paz. O desejo supremo é a serenidade, como se fosse uma imensa escada de Jacob a tocar o céu e revelar as estrelas.                                            
                 
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.programaraizes.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

(Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia -Goiás em 17 de maio de 2013).