domingo, 24 de novembro de 2013 | By: Doracino Naves

Romanceiro de Goiânia II

Quando Pedro Ludovico avistou essas paragens pela primeira vez nada existia por aqui. Mas  já tinha a floresta, bichos, pequizeiros em flor e nascentes de águas puras; daquelas que se pode beber no escuro;  vaga-lumes tinha aos montes.  As nascentes formavam córregos e veredas derramando suas águas no Rio Meia Ponte.  O Meia Ponte deve ter encantado Pedro Ludovico como o Tejo iluminou a poesia de Fernando Pessoa. Do mesmo modo que os cientistas não sabem precisar o que havia antes do Big Bang, Pedro Ludovico não conhecia Goiânia antes da primeira visita. Deus já havia criado  o tempo seco e úmido do cerrado com o sol a iluminar o dia; e a sucessora lua pajeando o sono do astro rei.  O relógio do tempo só seria ligado em 24 de outubro. Alguns dizem que foi em cinco de julho.  Não importa; a vida e os amores só brotariam com a construção dos prédios e as ruas rasgadas no ventre da terra vermelha.
     
Pedro Ludovico apresentou a cidade virgem a Atílio Correia Lima que lhe pôs formas, curvas e a retilínea Avenida Anhanguera, desenhada sob a rota do sol. Pedro incumbiu Atílio a planejar Goiânia para ela nunca mais voltar a ser mata; a mesma missão do Atlas da mitologia grega que carrega o universo nas costas para o caos do universo não voltar. O descaso com a Avenida Anhanguera é o caos urbano mais impactante da capital. Planejada para cinqüenta mil habitantes a cidade sonha com um pretendente a orientar o seu crescer sem abafar a magia da tradição.
   
O primeiro namorado a escrever longas e apaixonadas cartas foi Venerando de Freitas Borges; Pedro o fez prefeito. Venerando morreu no começo dos anos noventa.  Até hoje a cidade procura outro que respeite sua origem de cidade sonhada por Dom Bosco.  E a Avenida Anhanguera pode ser a coluna principal do seu desenvolvimento sem perder sua missão.
   
Na crônica passada sugeri a construção de um metrô por baixo da Avenida Anhanguera, em toda a sua extensão de quase quinze quilômetros. Com isso apareceria, no leito atual, um amplo Centro de Arte e Cultura com carros circulando como é hoje. A rede de lojas e serviços funcionaria melhor sem ônibus cuspindo fumaça e atrapalhando a circulação dos pedestres. E o melhor da história é que toda a estrutura desse amplo centro cultural e o shopping a céu aberto já está pronta. O custo mais vultoso é a construção de um metrô. Um dia isso terá de acontecer. 
  
O metrô é uma exigência de uma capital do porte de Goiânia. Teresina, menor, tem um com mais de treze quilômetros. E Goiânia fica nessa lengalenga de ônibus vagarosos parando nos cruzamentos.  

O leito da Avenida Anhanguera, nessa ideia, deverá ter nova arquitetura para agradar a população e os segmentos importantes da sociedade.
     
Na Praça da Bíblia poderá ser construído um monumento digno do Livro Sagrado; na última estação o justo tributo ao santo católico Padre Pelágio; na Vila Nova, pode ser feita uma extensão de acesso à Federação Espírita de Goiás.
    
Na 5ª Avenida, no Setor Universitário, um braço avança até a Praça Universitária; ali está o maior museu à céu aberto do estado, com esculturas dos melhores artistas de Goiás.
    
Dois teatro estão ao longo da Avenida Anhanguera: o Teatro Goiânia e o Teatro Inacabado, sem contar o Goiânia Ouro e o Teatro Rio Vermelho, nas ruas 3 e 4, paralelas à Avenida Anhanguera. Dezenas de shoppings populares foram instalados na principal avenida comercial de Goiânia. Perto da Anhanguera foi erguido o Centro de Cultura e Convenções.
      
No cruzamento da Avenida Goiás está a Praça do Bandeirante de inflamados discursos políticos de outrora. À esquerda, talvez a menos de um quilômetro, a Praça Cívica com o Palácio das Esmeraldas; à direita, equidistante, a Praça do Trabalhador onde foi construída a antiga Estação Ferroviária; tombada pelo patrimônio histórico nacional.  
      
No meio do caminho tem o Bosque dos Buritis, o Lago das Rosas e o Zoológico de Goiânia.
    
 E a Avenida Anhanguera se transformando no maior Centro de Arte e Cultura do Brasil; por baixo o metrô cruzando a cidade de leste a oeste, no desenho iluminado do sol riscando de luz a alvorada e o poente.
     
Vou encerrar minha crônica de hoje de forma diferente. Com um poema de Pablo Neruda: “AMIGO, leva contigo o que queiras/penetra o teu olhar sobre os rincões/e se assim desejares, dou minha alma inteira/com suas brancas avenidas e suas canções”.



(Publicada no jornal Diário da Manhã - DM Revista - Goiânia - Goiás em 23 de novembro de 2013. Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV. wwwprogramaraizes.net). Escreve aos sábados no DMRevista.
        
segunda-feira, 18 de novembro de 2013 | By: Doracino Naves

Romanceiro de Goiânia

 Cadê a Goiânia antiga? Escondida. Talvez envergonhada com a falta de romantismo dos tempos de hoje. O crescimento desordenado e a falta de um projeto que contemple todas as regiões da cidade tornaram-na caótica, encardida. Quem anda pela Avenida Anhanguera, passando pelos setores Rodoviários, Aeroviários e Bairro Capuava, vê essa parte da cidade com a aparência de cidade fantasma. A maioria dos prédios, com portas sujas e arriadas, está à venda. Se a gente andar mais vai encontrar outros pontos com esse aspecto sombrio de desamparo. Muitas pessoas se impressionam com os bairros e as regiões novas que se desenvolveram dentro do conceito moderno que isola as pessoas em carros com vidros escuros; cada um no seu canto.
          
Um exemplo é a região que começa no Jardim Goiás até o viaduto dos condomínios horizontais. Ali tudo é organizado, mas sem lugar para o encontro de pessoas; as ruas foram arquitetadas para passear de carro. As casas, fortalezas que isolam as pessoas em nome da segurança física, são assépticas e vazias; sem terreiros para plantar jabuticaba. Os jardins, criados para agradar aos olhos, revelam-se estéreis na intenção de unir gente pelo prazer estético; permanecem exclusivos dentro das muralhas inexpugnáveis.
          
Algumas partes da cidade são profanas e caducas. A Avenida Anhanguera é uma prostituta formada em Paris que vive no baixo meretrício. Com aparência de puta pobre a Avenida Anhanguera sente que o glamour dos anos passados pode voltar quando alguém se encantar novamente com ela. A Avenida Anhanguera precisa de um namorado. Planejada por Atílio Correia Lima, inspirado na arquitetura de cidades europeias, esta avenida faz o curso do sol - de leste a oeste - percorrendo quase quinze quilômetros da BR-153 ao Terminal Padre Pelágio. É a via mais importante de Goiânia.
           
Seus tapumes e placas, como se fossem roupas desajustadas, escondem belas fachadas. A última reforma da avenida, feita em 1998 por um governador maluco, é um desastre visual. Foi construída uma via exclusiva de ônibus; os carros espremidos entre a calçada e barras de ferro e, o pedestre, coitado, nem foi ouvido.  
           
A solução atual é construir um metrô por baixo da avenida. Assim, na superfície, pode ser criado um modelo de  boulevard que contemple carros, comércio e pessoas. Nos terminais - contei sete - podem ser criadas estações culturais. Isso resolve o problema do transporte coletivo e uma nova opção de lazer será entregue à população. E o belíssimo Lago das Rosas, com muretas em Art déco, pode ser integrado a esse conjunto.
           
A ideia não é tirar os carros da avenida e nem eliminar os atuais cruzamentos. Resumo: metrô embaixo e a Avenida Anhanguera de volta ao seu projeto original no formato de um Centro de Arte e Cultura – poderia ser batizado com o nome de Atílio Correia Lima –  com amplas possibilidades de diversão. Bem maior do que Centro Cultural Dragões do Mar, em Fortaleza.
            
Nossa Goiânia antiga está abandonada, mas livre para arrumar um namorado bacana.

(Publicada no jornal Diário da Manhã -DMRevista - Goiânia - Goiás em 16 de novembro de 2013).

                 Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do Programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (raízestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.