segunda-feira, 21 de março de 2011 | By: Doracino Naves

Escrever crônica é fácil

Difícil é torná-la interessante. Antes de começar aparece o bicho-de-sete-cabeças querendo devorar o autor.  Cronista é igual a Hércules, o herói da lenda Hidra de Lerna, com suas doze tarefas. Com a espada nas mãos cortava as cabeças da serpente. O tempo ensina o cronista a cortar palavras, frases, parágrafos. A inspiração está no recôndito das lembranças. A alma do artista tem como parceira a solidão, gaveta de emoções adormecidas. O escritor, o compositor, o pintor e o ator são contadores de história numa eterna volta a um ponto de partida. Suas ideias, após a metamorfose das palavras, voam nas asas do verbo.                                

Escrever é um hábito. A imaginação do cronista é a sua luz. A palavra cronista – em hebraico Mazkir - é da mesma raiz de celebrar, louvar, exaltar o Senhor, Deus de Israel. São os cronistas que contam as tragédias e os amores do mundo. Josafá, cronista famoso em seu tempo, recolhia e anotava as histórias do povo. Outras cronistas importantes falaram assim como Zaratrusta. A Bíblia, palavra revelada por Deus, foi codificada usando os cronistas como intérpretes do céu numa linguagem poética.
                                   
A arte é, na essência, a história recheada com a imaginação do autor. Noutro dia, o escritor Bariani Ortêncio, ao ler uma das minhas crônicas sobre o Bairro Popular, disse da importância de o cronista contar a história da cidade, seus costumes, suas personagens. O cronista é, pois, o arauto do seu tempo. Por isso escrevo Goiânia. Ela parece ser a mesma, todos os dias. Mas, eu sei que não é assim; redundante.                                 

O cenário se repete em Goiânia porque o sol, visto da Praça Cívica, nasce sempre pelos lados da Praça Universitária e morre no Setor Oeste. E o céu está sempre no mesmo lugar. Pode ser diferente? Claro que não, pois a terra é redonda. Essa, como diria Nelson Rodrigues,  é uma obviedade ululante. Mas, só o poeta tem licença do alto para mudar a rotina do texto do livro da vida.                                   

Já visitei outras cidades, mas é como se estivesse em Goiânia; o sol do leste tinge de luz dourada o Setor Universitário da minha imaginação. E o lusco-fusco sempre foge  com a luz do Setor Oeste. Sabe por que Goiânia parece chata? Porque a vemos sempre com o mesmo olhar. A mesma praça, o mesmo banco, o mesmo jardim, a mesma rua e, bolas, o mesmo Tigre da Vila Nova perdendo os clássicos do futebol. Goiânia não é só o que vemos; sua alma tem histórias escondidas. Nas ruas planejadas por Attílio Correia Lima desfilam personagens procurando um autor.
                                 
Não quero caçar Tigre vestido de Periquito com bafo de Dragão. Um Tigre assim não existe. Quem disse que viu ou é torcedor do Goiás ou do Atlético. E eu não converso com quem bate no Tigre.                               

Viu? É fácil escrever crônica. Se ficou interessante é outra história.                              

Doracino Naves, jornalista, diretor-apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (http://www.raizestv.net/)