segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013 | By: Doracino Naves

Pulgas amestradas


Noutro dia vi o filme Luzes da Ribalta, escrito, dirigido e protagonizado por Charles Chaplin em 1952. Para compor o elenco Chaplin convidou o seu maior rival no cinema-mudo, Buster Keaton. O filme mostra a carreira decadente do palhaço Calvero (Charles Chaplin). Numa das cenas ele aparece no palco interpretando um adestrador de pulgas amestradas. Depois do show Calvero sorri, radioso com as palmas da plateia; e se curva em reverência ao público. A câmera faz uma tomada em ângulo maior mostrando um teatro vazio. O sorriso desaparece do rosto iluminado do criador de Carlitos. Pura ilusão da mente de Calvero.
                        
Mais adiante outra imagem tem piadas sem graça e os espectadores saindo da sala com protestos pelo horrível desempenho do personagem. Alguns críticos dizem que esse filme, um dos últimos de Chaplin, é autobiográfico. A música do filme, Luzes da Ribalta, é de autoria do próprio Charles Chaplin. Vale lembrar um versículo da letra da música: “Para que chorar o que passou. Lamentar perdidas ilusões...”.
                       
Balzac também escreveu sobre este tema. O livro Ilusões Perdidas compõe a trilogia da “Comédia Humana”. É assim, entre ilusões, dramas e comédia que o homem arrasta o seu fardo pelo deserto do mundo. Na última crônica, aqui no DMRevista, eu disse que, muitas das vezes, prefiro o livro da vida, mesmo falha nas percepções humanas, ao o livro de autores complicados e sombrios. Principalmente daqueles que escrevem sem alma. Também dos poetas que fazem poemas sem pôr o coração nos dedos. 
                       
Por causa da minha confissão de que não entendia a maioria de autores clássicos alguns leitores me receitarem livros de autoajuda e outros de leitura fácil. Agradecido pela preocupação desses amigos volto ao tema da ilusão. Mas, por favor, creiam, não estou desiludido com a vida. Desilusão é apenas uma metáfora para situar uma fase em que o espírito humano mostra os desenganos e os erros da jornada. E nenhum homem pode vangloriar-se de que não saiu do caminho reto traçado por Deus.
                        
A vida de Chaplin, genial em todas as suas criações, como a de milhares de artistas, chega ao final com remorsos, culpa e arrependimento. Não raro, com o sentimento de derrota diante do fim. A imagem de um dos maiores gênio da comunicação moderna, Charles Chaplin, num palco vazio, mas com a ilusão de que ele estivesse cheio é desesperador. Essa certeza, alegoria transmitida pelo filme, é a de todos os homens diante do fim da existência. Vejo pulgas ensinadas a pular e se esconderem dos dedos impiedosos do homem.

(Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em janeiro de 2013).

                              
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.raizestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

Gosto de todos... até de mim


Essa é de teatro. Quer dizer, começo com a história de quem é do ramo. Lembro aqui um de meus autores preferidos, Pedro Block, foniatra que escreveu As mãos de Eurídice, Dona Xepa e dezenas de outras peças de sucesso. Numa entrevista a Clarice Lispector, que exercia o seu lado de jornalista, respondeu-lhe o modo pelo qual reconstruiria o mundo: “Começaria por me reconstruir. O mundo somos todos nós, responsáveis, um a um, pelo que fizemos no mundo. Só depois de me reconstruir é que eu me sentiria no direito de reconstruir o mundo”.
             
Boa lição para quem se mete a dar conselhos por atacado sem olhar para dentro de si. Mas, por favor, que ninguém vista essa carapuça. Porque, na verdade, quero encaminhar a crônica de hoje para outro lado. O do perdão, da renúncia e da humildade. O mundo precisa de gente que pensa a humanidade com alma alegre e fraterna. Dessa forma, sim, foco num goiano que se reconstrói a cada dia: Batista Custódio. Sua dimensão é universal, única, insubstituível na arte de gostar de pessoas. Ele gosta até de pessoas que não gostam dele. Batista Custódio, o maior jornalista goiano de todos os tempos, a exemplo de Pedro Block, gosta dos que gostam.
               
Percebo nos artigos antológicos do DM que a sua reconstrução é dolorida, corajosa, porém, plena de generosidade na busca de se encontrar a si mesmo. Pois é, penso que Batista Custódio não deseja ensinar coisa alguma a ninguém, entretanto, mostra os labirintos da alma com respeito à individualidade de cada ser humano. Assim ele se sublima quando toca as cordas do coração. E nos passa a sensação de que podemos fazer mais pelo outro no sentido de evitar o isolamento e a solidão.
             
E o mundo sem gente faz mal a gente. Nessa intenção de falar da realidade lembrando casos de teatro me lembro de Bibi Ferreira que disse que o mais expressivo retrato da solidão é a fotografia de um teatro vazio. Aí eu me lembro de Nelson Santos, o insubstituível fotógrafo de eventos culturais, com alma generosa e pura que, talvez no propósito de unir personalidades da cultura, junta o máximo de pessoas, amigas ou não, para o esperado click. Suas fotografias revelam o desejo do coração desse talentoso fotógrafo de ver as pessoas sempre unidas.
                
Então, eu vou aprendendo com essas pessoas a gostar de todos; afinal, essa é a personalidade do capricorniano. Aprendo, com o tempo inexorável, a gostar até de mim.

(Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em fevereiro de 2013).
                    
Doracino Naves é jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultura, na Fonte TV(www.raizestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.
           
             

Ordem da Jarreteira


Conta uma lenda inglesa que o rei Eduardo III, durante uma festa em Calais, chamou a condessa de Salisbúria para acompanhá-lo numa dança. Rodopiaram animados pelo salão na presença da Corte inglesa, inclusive da rainha. Durante a dança a jarreteira (liga) da condessa caiu. O rei apanhou-a no chão e ao devolvê-la notou intenso burburinho entre os presentes. Irritado bradou no idioma francês antigo: Honni soit qui mal y pense (maldito seja quem pensar mal) e essas palavras foram grafadas em letras douradas na medalha. Pronto. Estava criada a Ordem da Jarreteira, a mais antiga ordem de cavalaria militar britânica.  
               
A rainha Vitória, séculos depois, com apenas dezoito anos, assumiu o trono do seu país. Idealizou a Ordem da Jarreteira para defender os pobres e lutar contra a tirania. A Era Vitoriana, que durou 64 anos, expandiu o império britânico com duradouras conquistas na cultura, nos negócios e no campo social houve a abolição da escravatura. A Ordem da Jarreteira serviu lealmente à rainha. 
                   
O traje da Ordem da Jarreteira é feito, principalmente, por um manto de veludo azul com chapéu ornado em plumas de avestruz brancas. O conjunto é fausto e cavaleiresco como é a tradição inglesa. O tempo passou e, hoje, o príncipe Willian, o segundo na escala de sucessão ao trono da Inglaterra, dirige a Ordem da Jarreteira. O Brasil já teve um representante, foi o imperador D. Pedro II.
               
Na história da humanidade existem outras organizações que enaltecem a dignidade. O Tosão de Ouro, por exemplo, criado em 1430 por Felipe, o Bom, Duque de Borgonha, se tornou a mais elevada honra na Espanha e Áustria. Outro emblema honroso foi a Águia Romana, criada por volta de 200 AC, com a figura de uma águia sobreposta a um mastro. Por muitos séculos foi temida como o símbolo bélico da poderosa Roma Antiga.
                  
Desde então, outros países e instituições criaram comendas que ressaltam a honra, o trabalho e a dignidade. Destacar as virtudes humanas é uma forma de aproximar o ser humano do Sublime.
                   
Percebo uma fonte secreta a inspirar a invenção das coisas. Talvez exista um reino sobrenatural que nos chama insistente para trilhar o nosso destino.
                 
O homem vai de um degrau a outro e para. Depois se lança ao degrau seguinte na ânsia de atender ao desígnio secreto do espírito. As crenças pessoais, grilhões que nos prendem ao nosso mundo, retardam a compreensão de outras realidades. Mas, quando conhecemos a história do outro vemos nele um pouco de nós, de nossas angústias, de nossos dramas imaginários plasmados em tudo; pessoas e coisas.                               
            
No final da jornada talvez tenha um galardão guardado lá no alto; longe das nossas convicções individualistas.

(Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 23/02/2013.
                
                
Doracino Naves, jornalista: diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV. Escreve aos sábados no DMRevista.