sábado, 28 de julho de 2012 | By: Doracino Naves

Programa Raízes Jornalismo Cultural - Série Rememórias Cronistas de Goiás

Jornalismo Cultural é, antes de tudo, jornalismo. Por não ser necessariamente factual, o jornalismo cultural, no âmbito dos movimentos culturais, reporta um trabalho artístico ou literário para a apreciação do leitor ou ouvinte. O fazer jornalístico deve compreender as manifestações culturais lançando-as no palco social das inquietações humanas. Por exemplo, a ópera A Flauta Mágica, de Mozart, tem mais símbolos e significados imbricados na obra do que a bela melodia e o figurino pomposo da idade média.
       
Sem perder de vista as características tradicionais da profissão, o jornalismo cultural deve pautar seus assuntos no interesse do receptor, fornecendo elementos e argumentos para a sua opinião. Afinal, o jornalismo cultural, na opinião de Daniel Piza, tem o dever de olhar para as induções simbólicas e morais que o cidadão recebe. O mais importante na lida jornalística é selecionar aquilo que deve reportar. Jornalismo Cultural é reflexão com o olhar crítico em todas as formas da manifestação cultural.

Não confundir isso com o conceito fast food da cultura de entretenimento; divulgação de agenda cultural e cobertura de eventos. Sem perder a leveza de estilo, o jornalismo cultural deve ser denso, reflexivo. Aprendi com Walter Benjamin, pensador da chamada Escola de Frankfurt, que, ao compreender e romper os limites da arte, o homem comum deve ter acesso à cultura para poder usufruir e avaliar a sua escolha. Vou tentar tornar mais clara a minha opinião sobre esse tema.

Recordo a ideia de dois estudiosos do assunto: Débora Lopez e Marcelo Freire no trabalho O Jornalismo Cultural Além da Crítica...: “O jornalismo de agenda, sem reflexão ou preocupação com as consequências e imbricamentos desse acontecimento, reduz o jornalismo cultural, transportando-o para aquém de seu conceito fundamental”. A abordagem erudita deve destacar o conceito acadêmico da mesma forma que abre espaço às demais fontes da cultura popular.

Um exemplo disso são as entrevistas e as reportagens com artistas e escritores, quando elas estimulam a imaginação das pessoas. Por ter nascido na roça e guardar minhas raízes bem arraigadas na minha maneira de ser, escolhi, ainda na faculdade, o jornalismo cultural como profissão. Descobri, com o foco na perspectiva geral do jornalismo, que a prática jornalística pode aliar o prazer a uma atividade rotineira. Daí nasceu o programa Raízes Jornalismo Cultural e os caminhos da entrevista e da reportagem.

Das conversas sofisticadas de Gilberto Mendonça Teles, Siron Franco, Darcy Denófrio ao tempero popular das falas de Antônio Poteiro e Ostecríno Lacerda, tive a alegria de ver o programa cair no gosto das pessoas mais simples. Já contamos quase 300 programas em mais de cinco anos no ar. Atualmente, a produção do programa está envolvida na série Rememórias – Cronistas de Goiás, em que um cronista atual homenageia um cronista goiano do passado.

O Raízes Jornalismo Cultural, desde o primeiro programa, propõe a quebra do padrão do jornalismo de agenda e a mera cobertura de eventos, inaugurando o jornalismo cultural de conteúdo. 

(Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 28 de julho de 2012) 

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (programaraízestv.net). Escreve aos sábados no DM Revista.
terça-feira, 24 de julho de 2012 | By: Doracino Naves

Pão de queijo com pimenta

Pão de queijo com café parece tão fundamental para nós, goianos, quanto o chocolate quente para o suíço. Nessa manhã fria saio mais cedo de casa. Gosto de zanzar pela cidade em busca donada; apenas ver, sentir e ouvir as pessoas. Sentado numa cadeira da lanchonete Biscoitos Pereira, da Tamandaré, me dou conta de que há muitos anos não vou aoRio Araguaia no mês de julho. Nem em agosto ou em setembro, quando o rio é mais piscoso e os cardumes sobem o rio num espetáculo indescritível de cores e movimentos.
      
Antes eu ia ao Araguaia umas dez vezes ao ano. Na verdade, o Araguaia tornou-se para mim um monte de lembranças fugidias. Agora, descubro surpreso que não faço muitas das coisas que fazia antes. Mudei alguns hábitos; deixei de lado os pequenos vícios, como o de fumar os cigarros Charm. Esse vício me acompanhou por longos anos até quando enjoei dele e o abandonei de vez. Estou mais convicto da existência de Deus como o Arquiteto e Causa do mundo.
     
Aos poucos, sem perceber, alterei rotinas, costumes e o jeito de ver as coisas. De contador a jornalista foi um pulo de pião que roda a trezentos e sessenta graus até encontrar o ponto em queo giro parece estático. Percebo, no correr sem freios do tempo, que mudei minhas personagens e máscaras – não aquela arrumada para se esconder da vida - mas o jeito de ver as coisas com o abandono dos prazeres e vaidades passageiros para uma melhor compreensão e o olhar mais acurado de coisas mais importantes, como aamizade verdadeira e o fato de que o outro está aqui, do meu lado, muitas vezesprecisando de uma conversa amiga.
       
Viver o dia a dia é simples. Bastaa gente prestar atenção no que acontece a nossa volta. Não confundir o osso daasa de um pássaro enterrado no quintal com o crânio de um réptil extinto. Ou então um complicado professor de literatura ensinar gramática, sendo que o certo é mostrar a simplicidade da escrita de Machado de Assis ou, então, ensinar temas como a história natural, história, filosofia. Os poetas da Renascença, quando estavam muito ocupados, convocavam seus alunos para dar o acabamento final aos seus poemas. No final, os professores assumiam a responsabilidade pelas aulas, já que assinavam os poemas. Deus nos fez assim e, na ocupação com o universo, nos permite acabar a obra.
         
Distraído nesses pensamentos temperei um pão de queijo com pimenta. Pimenta não combina com pão de queijo. Nessas abstrações descubro que as coisas simples são as melhores. Veio o vento frio que me lembra de que não devo, pelo menos hoje, ‘empilhar agonias’ como diz o americano. Prefiro ser bombástico como o foi Shakespeare: “Meu reino, minha terra, minha Inglaterra”.  Meu pão de queijo, meu Goiás, minha Goiânia. Oresto é silêncio.

(Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 21 de julho de 2012)

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa RaízesJornalismo Cultural (programaraizestv.net). Escreve aos sábados no DM Revista.
domingo, 15 de julho de 2012 | By: Doracino Naves

Bruma rósea

Nessa manhã, por entre os prédios do Centro, olho com interesse Goiânia acordando suavemente. Uma bruma rósea cobre a região norte. Desejo que a minha vida seja sempre assim. A mim a placidez da cidade enquanto desperta ao som das flores desabrochando nos jardins das ruas da cidade. A luminosa Avenida Universitária, requalificada pela prefeitura, derrama cores pelo caminho do ouro. Fecho a janela e entro no meu mundo.
      
Ninguém se esconde de si mesmo. Se a laranjeira esconder a fruta, não é laranjeira. O vento só é vento quando venta.O gol do futebol - coitada da bola quando recebe uma 'bicuda'- só é gol quando a bola entra.  Se o pássaro deixar de voar no céu é pássaro de gaiola ou de museu. E o amor quando não se declara? Amor platônico ou amor de mentira? Eu não arrisco nenhum palpite sobre o amor. Coração é terra aonde ninguém anda.
        
Olha aqui, a dor que se esconde não é doença. Quando adoeço ponho a boca no mundo; gemo e resmungo sem parar. Só paro quando bebo água fluída no batismo da bênção. É... água que não corre, corrompe-se.
         
E o carro quando não anda, é carro? Tive um carro que não era carro; um Passat velho com o motor doente do pulmão. E eu ameaçava dá-lo de presente ao meu neto Marcus Júnior se ele não estudasse. Com medo de ter aquele carro como herança estudou até passar no vestibular de engenharia da UFG. Valeu! Ele chegou a um porto de esperança nos caminhos da prosperidade.
        
Porto que não recebe navio de gente não tem cheiro de saudade. O mar só é mar quando mareja para unir continentes tirando deles as dores da terra. Avião para ser avião tem de voar. Quando cai é porque já cumpriu a sua sina.
          
Aviãozinho de criança feito de papel molhado cai abatido pela irrevogável lei da gravidade. Para flutuar, o barco tem de se libertar da gravidade. Então, a água se oferece como intermediária entre o céu e a terra. Talvez a água se sinta como se fosse a princesa Izabel com sua pena libertadora, num grande e carinhosos beijo na raça negra. Mas, o beijo beijado é que é de verdade! Sem o beijo o mundo é sem graça, o cinema sem beijos não tem magia. E as mãos?  Infeliz da mão que não se estende à amizade, dos dentes que não sorriem.  A materialidade do mundo é real ou ilusória? E a mídia que avassala o íntimo de tudo, é verdade ou sofisma?
          
Televisão sem emoção é apenas uma caixa de imagens; vazia de alma. Rádio sem voz é caixa de cemitério, fica no ar apenas o chiado das ondas em busca do brado retumbante. Silenciosamente, nessa manhã, o sol  surgiu no horizontepara cumprir o seu papel de clarear a forma das coisas.
           
Porque as coisas só existem no reflexo da luz. O que seria da cor sem a luz solsticiante do sol que tinge as flores do campo.
           
Sei que tudo passa; até a flor murcha e a árvore vira pó na natureza. A realidade tem ruídos de coisas a acontecer.
           

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.programaraizes.net). Escreve aos sábados no DMRevista.
domingo, 1 de julho de 2012 | By: Doracino Naves

Inventor de histórias

Se você é jornalista, não inventenada. Nadinha. É proibido inventar.  Quem disse isso foi Ricardo Noblat, jornalista pernambucano bem rodado na profissão. Depois de dizer isso, Noblat confessou que,muitas vezes, mentiu para vender jornais.
             
Eu digo: Se você é escritor, invente tudo.Tudinho. É permitido inventar. Mas, deixe aparecer, pelo menos, uma pontinha do fio da lógica. Na literatura, os melhores ficcionistas também contam mentiras. Os grandes clássicos da literatura estão aí para comprovar isso.

No jornalismo e na literatura ofato ou a ideia chegam, quase sempre, inesperados. E a eles vamos incorporando outroselementos até formar o texto que deve ser objetivo e simples. Pois é, aí está agrande dificuldade de quem escreve: fazer um texto simples em que até uma criança alfabetizada possa entender. Tão simples e importante quanto o buritizal no meio do cerrado; oásis das porções de terras espalhadas pelo Brasil Central.

Nas minhas viagens semanais à Piracanjuba, em companhia da amada Clara Dawn, as veredas passam por mim como se fossem estações de trem-de-ferro; mundos de pequenas comunidades plantadas às margens da ferrorvia. Em cada buriti existe um universo biológico. Ao sopé, a água límpida com peixinhos ligeiros, lambaris e traíras bebê desfilam entre as folhagens como se fossem tubarões dos grandes mares. Talvez eles pensem: aqui somos tão importantes quanto as baleias que singram o mar.

No silêncio do ermo do cerrado um pé de buriti pode abrigar milhões de vidas. Desde os minúsculos insetos que transitam pelo caule enrugado da palmeira plantada dentro d’água até a enorme arara azul e amarela granindo nos ouvidos da mata que começa a secar com os ventos da primavera. Um buritizal – a vereda – é um oásis onde viceja o bioma do cerrado. É a Via Láctea desse universo e os buritis, imponentes, são os planetas com vida plena.

Encantador é a sinfonia dos pássaros no alvorecer e no crepúsculo. O mundo em volta da vereda se cala submisso para ouvir. Até os anjos interrompem as suas tarefas e guardam as usas harpas. O pássaro-preto exibido é o solista da orquestra. O mais interessante disso é que o pequeno universo biológico da vereda se movimenta dentro do planeta terra. Flores pequeninas, insetos, aves epeixes convivem bem, cada um no seu papel. Em  um buriti a gente encontra de tudo: orquídeas, ninhos de pássaros. Pequenas lagartas se escondendo bem-te-vi faminto.

Zezinho, menino peralta dosarredores da cidade pensou em construir uma pipa como se fossem seus olhos a voejar sobre o sertão. Além do papel, cola e  linha, ele precisava montar a estrutura do seu brinquedo.Soube que muitos usavam lascas de taboca, mas que o miolo do buriti é mais leve que a taquara. Embaixo de um buriti, com os pés atolados na lama do brejo, viu um galho seco bem no alto, que serviria ao seu propósito. Suas pernas magricelas escalaram o tronco áspero até chegar ao alvo.

Do alto ele viu a sua casa, os seus amigos, os irmãos e o seu cachorrinho Titiu, um vira-latas puro-sangue. Seus pais saíram cedo naquele dia. Imaginou-se um pássaro voando sobre a sua vila; o seu córrego de banhos escondidos; o pé de pequi e a mangueira florida no meio do pasto. Tudo parecia perto e mais bonito. Subiu mais ou pouco até alcançar o galho seco do buriti. Seus pés se apoiaram numa saliência no meio do caminho, a mão esquerda abraçou o tronco com força. Com a mão esquerda puxou forte o galho até soltá-lo. O destino armara a sua tenda no alto do buriti. 

Junto com o galho seco desceu uma cobra jaracuçu que se enrolou na cabeça de Zezinho. Nesse instante o universo de veredas parou atônico com a má sorte de Zezinho. A cobra cravou, certeira, seus dentes afiados nolado esquerdo do pescoço do menino. Ele soltou um grito fino de dor que ecoou no silêncio da manhã. Seu corpo caiu na água fria do brejo.

Acabou na água o  sonho da pipa voando alto. Talvez o espírito de Zezinho esteja adejando sobre o buritizal plantado por Deus nos arredores da cidade.

Talvez um dia eu veja do alto, as terras do meu viver.

Ai de mim enquanto observo a vereda na terra, na sua forma horizontal e aprumada.
                  

Doracino Naves, jornalista;diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.raízestv.net) . Escreve aos sábados noDM Revista.