domingo, 15 de julho de 2012 | By: Doracino Naves

Bruma rósea

Nessa manhã, por entre os prédios do Centro, olho com interesse Goiânia acordando suavemente. Uma bruma rósea cobre a região norte. Desejo que a minha vida seja sempre assim. A mim a placidez da cidade enquanto desperta ao som das flores desabrochando nos jardins das ruas da cidade. A luminosa Avenida Universitária, requalificada pela prefeitura, derrama cores pelo caminho do ouro. Fecho a janela e entro no meu mundo.
      
Ninguém se esconde de si mesmo. Se a laranjeira esconder a fruta, não é laranjeira. O vento só é vento quando venta.O gol do futebol - coitada da bola quando recebe uma 'bicuda'- só é gol quando a bola entra.  Se o pássaro deixar de voar no céu é pássaro de gaiola ou de museu. E o amor quando não se declara? Amor platônico ou amor de mentira? Eu não arrisco nenhum palpite sobre o amor. Coração é terra aonde ninguém anda.
        
Olha aqui, a dor que se esconde não é doença. Quando adoeço ponho a boca no mundo; gemo e resmungo sem parar. Só paro quando bebo água fluída no batismo da bênção. É... água que não corre, corrompe-se.
         
E o carro quando não anda, é carro? Tive um carro que não era carro; um Passat velho com o motor doente do pulmão. E eu ameaçava dá-lo de presente ao meu neto Marcus Júnior se ele não estudasse. Com medo de ter aquele carro como herança estudou até passar no vestibular de engenharia da UFG. Valeu! Ele chegou a um porto de esperança nos caminhos da prosperidade.
        
Porto que não recebe navio de gente não tem cheiro de saudade. O mar só é mar quando mareja para unir continentes tirando deles as dores da terra. Avião para ser avião tem de voar. Quando cai é porque já cumpriu a sua sina.
          
Aviãozinho de criança feito de papel molhado cai abatido pela irrevogável lei da gravidade. Para flutuar, o barco tem de se libertar da gravidade. Então, a água se oferece como intermediária entre o céu e a terra. Talvez a água se sinta como se fosse a princesa Izabel com sua pena libertadora, num grande e carinhosos beijo na raça negra. Mas, o beijo beijado é que é de verdade! Sem o beijo o mundo é sem graça, o cinema sem beijos não tem magia. E as mãos?  Infeliz da mão que não se estende à amizade, dos dentes que não sorriem.  A materialidade do mundo é real ou ilusória? E a mídia que avassala o íntimo de tudo, é verdade ou sofisma?
          
Televisão sem emoção é apenas uma caixa de imagens; vazia de alma. Rádio sem voz é caixa de cemitério, fica no ar apenas o chiado das ondas em busca do brado retumbante. Silenciosamente, nessa manhã, o sol  surgiu no horizontepara cumprir o seu papel de clarear a forma das coisas.
           
Porque as coisas só existem no reflexo da luz. O que seria da cor sem a luz solsticiante do sol que tinge as flores do campo.
           
Sei que tudo passa; até a flor murcha e a árvore vira pó na natureza. A realidade tem ruídos de coisas a acontecer.
           

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.programaraizes.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

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