terça-feira, 24 de julho de 2012 | By: Doracino Naves

Pão de queijo com pimenta

Pão de queijo com café parece tão fundamental para nós, goianos, quanto o chocolate quente para o suíço. Nessa manhã fria saio mais cedo de casa. Gosto de zanzar pela cidade em busca donada; apenas ver, sentir e ouvir as pessoas. Sentado numa cadeira da lanchonete Biscoitos Pereira, da Tamandaré, me dou conta de que há muitos anos não vou aoRio Araguaia no mês de julho. Nem em agosto ou em setembro, quando o rio é mais piscoso e os cardumes sobem o rio num espetáculo indescritível de cores e movimentos.
      
Antes eu ia ao Araguaia umas dez vezes ao ano. Na verdade, o Araguaia tornou-se para mim um monte de lembranças fugidias. Agora, descubro surpreso que não faço muitas das coisas que fazia antes. Mudei alguns hábitos; deixei de lado os pequenos vícios, como o de fumar os cigarros Charm. Esse vício me acompanhou por longos anos até quando enjoei dele e o abandonei de vez. Estou mais convicto da existência de Deus como o Arquiteto e Causa do mundo.
     
Aos poucos, sem perceber, alterei rotinas, costumes e o jeito de ver as coisas. De contador a jornalista foi um pulo de pião que roda a trezentos e sessenta graus até encontrar o ponto em queo giro parece estático. Percebo, no correr sem freios do tempo, que mudei minhas personagens e máscaras – não aquela arrumada para se esconder da vida - mas o jeito de ver as coisas com o abandono dos prazeres e vaidades passageiros para uma melhor compreensão e o olhar mais acurado de coisas mais importantes, como aamizade verdadeira e o fato de que o outro está aqui, do meu lado, muitas vezesprecisando de uma conversa amiga.
       
Viver o dia a dia é simples. Bastaa gente prestar atenção no que acontece a nossa volta. Não confundir o osso daasa de um pássaro enterrado no quintal com o crânio de um réptil extinto. Ou então um complicado professor de literatura ensinar gramática, sendo que o certo é mostrar a simplicidade da escrita de Machado de Assis ou, então, ensinar temas como a história natural, história, filosofia. Os poetas da Renascença, quando estavam muito ocupados, convocavam seus alunos para dar o acabamento final aos seus poemas. No final, os professores assumiam a responsabilidade pelas aulas, já que assinavam os poemas. Deus nos fez assim e, na ocupação com o universo, nos permite acabar a obra.
         
Distraído nesses pensamentos temperei um pão de queijo com pimenta. Pimenta não combina com pão de queijo. Nessas abstrações descubro que as coisas simples são as melhores. Veio o vento frio que me lembra de que não devo, pelo menos hoje, ‘empilhar agonias’ como diz o americano. Prefiro ser bombástico como o foi Shakespeare: “Meu reino, minha terra, minha Inglaterra”.  Meu pão de queijo, meu Goiás, minha Goiânia. Oresto é silêncio.

(Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 21 de julho de 2012)

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa RaízesJornalismo Cultural (programaraizestv.net). Escreve aos sábados no DM Revista.

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