domingo, 6 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

Janeiro Sem Freios

A Alameda Botafogo é o meu porto de chegada em Goiânia. Isso foi em junho de 1959. O caminhão da mudança parou à sombra de uma árvore. Meu pai, que ia assumir seu posto numa Coletoria Estadual, desceu e foi à casa de um amigo pegar as chaves da casa onde a gente ia morar. Era um barracão – é como se chama em Goiânia uma casa com a cobertura de uma água – pequeno para abrigar uma família com sete filhos e um cachorro vira latas chamado Parafuso.  

                    Goiânia, ainda com o ânimo dos 17 anos, vivia uma fase de crescimento com a expectativa da inauguração de Brasília que aconteceria no ano seguinte. Gente vinda de todas as partes formava um pólo civilizatório cravado no coração do Brasil. A população das cidades viceja iguais as flores brancas e pretas de John Gray; cada um procura se adaptar ao ambiente adverso. É o jeito que a cultura acha para formar hábitos de sobrevivência. 


                   O papel da terra é girar eternamente para arejar o planeta; do homem é se adaptar ao meio em que vive. O planeta nem dá bola para a arrogância e preconceito das raças. Apenas a guerra é capaz de mudar o sentido da vida. A humanidade caminha com empáfia e preconceito.


                   Apesar disso a alma do homem peregrina sem sossego em busca de um uma morada segura. Foi assim com Abraão em busca da promessa de Deus. Moisés também viajou 40 anos pelo deserto rumo à Canaã. Ainda bem que esses movimentos criaram novas tecnologias.  

                 Minha família chegou a Goiânia no dia de São João. Meus olhos curiosos triscavam as ruas desconhecidas. Em algumas casas havia um mastro com a bandeira da festa junina. Viva São João!
 

               -Festejai o santo! Ó, Festejai-o!

             De dentro do caminhão vi, pela primeira vez, o Córrego Botafogo com águas limpas e frias a gemer para chegar inteiro ao rio Meia Ponte. Um homem velho, careca, de andar lento passou em direção à ponte da Avenida Anhanguera. Alguém o chama. 

                -Ô, Tião Canela.

              Sem mostrar entusiasmo ele olhou para trás; acena com a mão direita com dedos tortos pelo reumatismo. A outra se apóia numa bengala tosca. Continuou sem pressa. As pessoas pareciam se movimentar em câmera lenta. Meu pai voltou com as chaves na mão. Pediu ao motorista para ir em frente. Logo entramos nas ruas empoeiradas da Vila Nova; o pó se misturava aos sonhos da molecada na carroceria do caminhão. Paramos na Rua 212 onde o Seu Ezequiel, amigo da família, pai do juiz Edison de Moraes, nos esperava para mostrar a casa. No mesmo lote moravam mais duas famílias.   

             A noite chegou estrelada. Percebi que, em Goiânia, o céu de junho  tem mais estrelas. Um fio de destinos ligados enfeitou o nosso mundo. A lua cheia era um ponto no centro do céu.

            O sonho é leve; a realidade, pungente.

             Nisso não devemos pensar muito, pois a nossa vida se finda e a terra continua a girar à espera da chuva desse janeiro que começa acelerado. Logo será dezembro, depois outro janeiro. Na minha idade o tempo voa.
            E troveja sobre a copa das árvores. Não tenho medo, são trovões familiares.

            Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural,www.raizesjornalismocultural.net , PUC TV, sábado, 12h30. Escreve aos sábados no DMRevista.  

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