quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

Guilherme, Argos do Olímpico

Ando pela calçada Rua 70 rumo a Avenida Paranaíba quando vejo o Guilherme, ídolo do Vila Nova no fim dos anos 60, descendo pelo outro lado da rua. O iluminado centroavante caminha sozinho como andorinha sem beiral. Congelo a imagem e volto o relógio no tempo. O cenário é o antigo Estádio Olímpico.

Numa tarde qualquer de um domingo de futebol certo. O alto-falante do estádio Olímpico anuncia que o Vila contratou Guilherme três do URT, de Patos de Minas:  Guilherme, Zé Geraldo e Bajoso. Eles aparecem na boca do túnel dos vestiários, acenam timidamente  para a torcida. Guilherme se tornou ídolo e imprimiu com os pés a melhor poesia do futebol goiano. Seu estilo foi sublimado com a beleza do drible inesperadamente belo e mágico. 

Guilherme foi mais talentoso atacante do futebol goiano em todos os tempos. Anísio, motorista da Secretaria da Cultura de Goiânia, torcedor fanático do Goiás diz que o maior foi o Gibrair. Aceito sem polemizar porque o Gibrair também era do Vila.

Qual o beque que poderia parar o toque rápido e a ginga desconcertante do Guilherme? Ninguém foi capaz de imitá-lo na arte de tocar a bola e fazê-la brilhar como pirilampos na noite; o seu corpo desconjuntado se movimentava com incrível rapidez. Movia-se no velho Estádio Olímpico como bailarino do Bolshoi. Arte pura. Hoje, a televisão mostra jogadores ofegantes como velocista no final do percurso. Falta arte; sobra força física à maioria dos jogadores do atual futebol. Com a língua pra fora mais parecem cães depois da caça aos catitús.

Guilherme está ali, na outra calçada. Sereno, de cabelos grisalhos; um anjo com sua lira tocando solene sobre as ruínas fantasmagóricas do Estádio Olímpico. Lá, os acordes da sua arte de jogar ainda vibram como a lira de Orfeu. Sua alma deartista da bola esconjura o futebol televisivo e previsível igual ao jogo de vídeo-game. Guilherme, o argonauta do Olímpico bebeu na fonte de Virgílio para entoar o canto poético que salvou o Vila de muitos naufrágios. 

Ah, Vila Nova! Porque demora a ressurgir do limbo? Quando será que a Fênix vem mergulhar suas asas no futebol de ouro do Guilherme. Volta, Fênix! Faz seu ninho no Onésio. Faz o Vila Nova ressurgir das cinzas.

Volto à imagem ao tempo real. Guilherme dá um sorriso enigmático e passa. Olho em volta. A calçada do Bairro Popular parece viva. Ela se move como fantasmas sob os meus pés; a insuportável solidão me acompanha. Caminho sozinho pela Rua 70. Só a calçada.

         Doracino Naves é jornalista, diretor-apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www. raizestv.net)

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