segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

Cornetas em silêncio

Gosto de escrever quando desperto sonhos guardados na memória. Num canto do cérebro tenho páginas amareladas como a cor da paisagem de Goiás nos meses de seca. Descubro um prazer novo ao caminhar a esmo pelas ruas de Goiânia. Sexta-feira, duas da tarde. Passa gente calada com sorriso amarelo. Passam carros acelerados com bandeirinhas agitadas ao vento. Estranho, já foi o jogo do Brasil; não há alegria. Nem as vuvuzelas tocam nessa tarde lerda. Ainda bem porque o som maluco dessas cornetas atravessou o Atlântico para zunir sem parar nos meus ouvidos. Depois do ‘zero a zero’ elas estão silentes. Sossego para os meus ouvidos. Há um clima de velório que nem o grito dos locutores consegue abafar. Talvez o futebol arte tenha morrido de desespero pelo mau trato à mãe bola.

Na Praça Cívica os carros fazem fila no engarrafamento que enche todos os anéis. Um casal de jovens atravessa a Rua 26; veste verde e carrega bandeiras do Brasil. O rapaz, como quem procura esperança para os jogos futuros, pergunta o que ela acha da seleção.

-Não vai ganhar a Copa!

E disse com um olhar caído. O urro dos motores dos carros não deve incomodar um antigo morador da rua: Pedro Ludovico Teixeira. Talvez só o pesar da torcida chegasse ao além. Quanto a nós, cronistas, é melhor ficar atentos ao que acontece. Não é fácil escrever uma crônica em dias de jogo do Brasil; os sentimentos assumem o comando da mente. Espero por uma luz ou um fragmento qualquer para começar a crônica.

Chego ao portão da casa onde morou Pedro Ludovico. Um guarda vem até a grade. Tem jeito de quem discute futebol aos berros. Penso que é torcedor do Goiás. Falo comigo: “esse sujeito não gosta do Dunga”. Parei para olhar a casa; o pomar está mais crescido do que na época em que o fundador de Goiânia viveu ali. A fragrância das plantas da terra ainda sobe até a sua janela. Dá até para ouvir os sons da mata crescendo ao redor. Impressiona como a casa se parece com ele. Já reparou como as casas têm a cara do dono?

Sigo para o lado da Alameda dos Buritis sem perguntar nada; a placa anuncia que o museu está fechado para reformas. Do outro lado da Rua 26 há um prédio de muitos andares. Nas janelas mais bandeiras do Brasil como sinais de uma linha misteriosa traçada pelos torcedores obstinados.  Então, as coisas mais sérias ficam para depois da Copa. Aonde nos levará essa trilha secreta marcada com as cores da seleção brasileira?

Dobro á direita; avisto mais casas com a cara do dono. Se tivesse o dom  do retrato a lápis desenharia com precisão o rosto do morador. Não olho para trás. Pouco a frente outra fila de carros parados.

O mormaço traz no ar esperança antiga. Uma cigarra temporã canta rouca e desafinada numa pobre tarde de junho. Um caju maduro pula o muro da casa mais antiga da rua.

Doracino Naves é jornalista, diretor apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.raizestv.net/)

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