segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

Aruanã se veste de água e luz

No porto de Aruanã a canoa solitária lembra uma foto da ilha de Capri com um barco vazio deixado entre os rochedos da marina. Vejo o rio Araguaia como o fotógrafo viu o mar de Capri; do alto. Lá em baixo  o boto belisca os peixes que, desesperados,  fogem para a rasura; o tuiuiú, numa perna só, espera a sobra. Os dois tramam contra o cardume, o boto ataca e o tuiuiú não entra no rio. Deixam o céu para o martim-pescador que é mais rápido no ar. No bico do tuiuiú tem um peixe, dentro do boto outro com um menor na barriga. As águas prateadas brincam com a luz do sol. Meus pensamentos saem da água. Galopam no tempo com as rédeas soltas entre o silêncio das nuvens.

Há algo em comum entre as cores do Marrocos e a alma húngara que perambula pelas ruas de Budapeste? Será que a elegância e a bravura dos guerreiros Massais tem relação com a escola de Belas-Artes de Paris? Qual a ligação entre o místico Juazeiro do Norte e o Palácio de Queluz? Talvez o elo comum seja mistério no céu. Por fim, por que Hermes Trismegisto escondeu dos Carajás a arte de fazer ouro? Se o segredo fosse revelado a areia do Araguaia seria ouro em pó. Hermes tingiu de amarelo-ouro as escamas do peixe ‘Dourada’ que se veste de água e luz.
 
Volto ao porto de Aruanã; a canoa permanece abandonada. Nessa época do ano as praias ainda molhadas pela cheia mostram o lombo. Em junho já tem acampamento na margem e no meio do rio. Para o poeta Edival Lourenço, autor de O Elefante do Cego, o vale do Araguaia é o jardim do éden dos goianos. Mas, só nas férias de  julho, com a ressaca da festa de Trindade e da Copa do Mundo, começa a zoeira das canoas. Depois, tudo volta à paz no rio que corre inexorável para o mar. Aruanã é cenário que atrai artistas e escritores, político e celebridade; em comum a pesca.

Antonio da Kelps faz de Aruanã sua terra adorada, o mito, o ideal. Pescador incansável descobre lugares que nem os índios Carajás conhecem. Norman Douglas, romancista inglês, também fez da Ilha de Capri o seu lar e o palco da sua vida.

Um menino magricela rola na areia perto da canoa assombrada. Dá um rápido mergulho para tirar a areia do corpo. Matrinchãs assustadas passam por baixo da canoa vazia. O tuiuiú sobrevoa o boto-cor-de-rosa. Longe, no mar mediterrâneo, um golfinho pula no mar de Capri. A clara manhã de sol forte esquenta os bancos da canoa solitária.  Um barco vazio é tão triste e assustador qaunto um teatro abandonado.

Doracino Naves é jornalista, diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.raizestv.net)

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