quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

Na hora solene do meio dia

O orador sobe a tribuna. Espera o sinal para começar. Ao fundo do salão da escola tem um mural de recados colado na parede. O alto falante anuncia o nome do último concorrente de um concurso de oratória, tradição do Grêmio Literário professor João Alberto de Almeida. Seis finalistas chegam à final: Claudino, Joely, Anadir, Aldo, Epaminondas e Juvenal. 

As regras do concurso marcam uma edição por ano. Ao vencedor duas vagas para a excursão dos alunos à Caldas Novas. No centro do salão uma tribuna, totem de vaidades, abraça os oradores com gestos ensaiados, clássicos. Alguns foram praticados em cima de um cupim nos ermos de Setor Jaó daquela época. A linguagem caprichosa vem repleta de citações românticas.

No canto do salão, o professor Vanderlan  acompanha a verve dos oradores. Baixo, franzino, agitado, parece com os poetas do romantismo. Lembro-me de que ele entrava na sala declamando Castro Alves. Ainda havia os mestres João Natal, Belarmino, Arnóbio, João Ubaldo, a professora Iara que, atentos, escolhiam o melhor discurso.

Vestiu-se de verde e amarelo o cenário dos candidatos a Rui Barbosa.  Alunos militantes se organizam em claques. Lá no fundo, uma menina encostada na parede veste olhos de segredo; pórticos de luz. Jorra deslumbre. Ela enxerga com olhos azuis, perfeitos e úmidos; emoldurados por cabelos castanhos. Está ansiosa pelo final. As peças de arquitetura construidas por palavras tinham que driblar, como Mané Garrincha, os censores da ditadura militar galopante no lombo do ano 65.

Um mulato forte, grandalhão, alma fardada, entra sorrateiro e se esconde no meio da multidão acesa pelos tempos luminosos dessa era. O concurso de oratória haveria de prosseguir. Afinal, o córrego Botafogo, que corre às costas da Escola Técnica de Comércio da Vila Nova, despreza o remanso, sofisma as pedrinhas do percurso.

Procura uma posição mais cômoda para morrer nos braços do rio Meia Ponte. Os córregos e os rios procuram o mar fadigado como antenas titubeantes. Trôpegos, meus sentidos tateiam nas lembranças. Atrás do orador tem uma parede com bandeiras num mastro de madeira colocado no piso. O orador espera tenso, frio como uma parede na sombra. Do alto da tribuna olha a platéia  com medo.

Misericórdia. O espaço desta crônica acabou. Volto na próxima semana para terminar essa história.
                     
Doracino Naves é jornalista, diretor-apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.fontetv.net)

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