segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011 | By: Doracino Naves

Com Sombras Não Se Brinca

Minha sombra está enterrada nos quintais de Porto dos Barreiros, perdida nos fundões das Minas Gerais. Ponho o ouvido no chão do jeito dos índios. Ouço os acordes de um violino tocando na igrejinha, no alto do morro; sinos chamam para a missa de domingo. Nas ruas de poeira um carro de bois ronca, numa tarde quente. O vento me traz o chuá das correntezas espumantes do Rio Paranaíba. Nas margens, do lado de Minas e Goiás, periquitos quebram o silêncio da mata fechada, abrigo de mosquitos fortes. Gilberto Mendonça Teles me fala com seu poema: “Algumas vezes eu me lembro duma tarde na roça: a poeira da boiada e o berrante cortando e dando nó...”. Dou uma tapa na memória. Volto à Goiânia nos tempos da pinguela do Bosque do Botafogo.

Por ela passavam sonhos. Aquele tronco de jatobá atravessado sobre o córrego  me levava ao Bairro Popular onde morava Anita, a moça de Hidrolândia. Bela morena de seios fartos com gosto de jabuticaba da beira do Ribeirão das Grimpas. Eu, pequeno roceiro chegado dos sertões de Minas estava deslumbrado com a cidade nova. O centro de Goiânia tinha cinemas, Fonte do Paladar, Lanche Acapulco, lambretas desfilando pela Rua 8. Meus olhos ficavam vidrados nessas novidades. O vaivém era na Avenida Anhanguera, no trecho entre a Rua 8 e o Cine-Teatro Goiânia. Por ali passavam os jovens de Goiânia. 

Para escrever essa crônica voltei á antiga pinguela. Hoje, lá existe uma passarela através da marginal Botafogo, na altura da Vila Nova. Um vereador diligente substituiu o tronco de madeira por uma viga de concreto. Coisas da modernidade.  Mas a passarela continua liame de sonhos que atravessam para o centro em busca de histórias. Vejo-me, do alto, como fantasma perambulando pelo cerrado seco destes dias sem chuva. Ufa! Que calor! Faço caretas de exaustão. As águas podres do córrego viajam rumo ao João Leite.

Ao lado, nas margens do Botafogo, passam carros apressados com outros sonhos. É tempo de eleição. Depois dela a nossa vida será melhor ou pior; depende de quem a gente escolher. Melhor será que a escolha seja pelo ideal que dá sentido à existência. Na política, como no amor, o mistério é a simplicidade. As convicções estremecem e deliram na singeleza dos gestos. A luz de um olhar atento enche o ser humano de glória. Nós, mortais, somos portais enterrados nos jardins do mundo em construção.

É preciso um pouco de tudo para fazer um mundo; cada um de nós guarda na alma desejos para viver melhor. Vejo, embaixo, o trânsito animado. Parado em cima da passarela não sei quem vem nem quem vai. Percebo que existem  sons que nascem da alma. Violinos, escondidos pelas lembranças, vibram como as cornetas de Josué tentado derrubar as vaidades humanas.
 
Desenterro as sombras dos quintais de Porto dos Barreiros. Ponho meus ouvidos na terra. Vejo luzes que cintilam ao som de cornetas. Abano a cabeça com esperança. Adeus sombras. Com elas não se brinca.

Doracino Naves é jornalista, diretor-apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV ww.raizestv.net

0 comentários:

Postar um comentário