quarta-feira, 6 de julho de 2011 | By: Doracino Naves

Setor Sol

Hoje fiz uma descontraída caminhada sob o sol do Setor Sul. Fui visitar a biblioteca de um amigo. Ao passar pelas ruas senti umas fisgadas de alerta. Comecei a olhar o outro com boa vontade. Resolvi fazer um teste: sorri e cumprimentei a todos que passaram por mim. Pensei: “um dia, quando o homem for mais cristão, enxergará o próximo com amor”.  A maioria foi receptiva. Poucos foram indiferentes ao meu jeito amigável. Um cara de bigodão passou por mim. Em resposta ao meu cumprimento, sussurrou entre os seus dentes de ouro:
      
- Sujeito esquisito.

Uma mocinha que ia ao colégio, desconfiada, vendo o meu sorriso de bom-dia mudou de calçada:

-Atrevido!

Mais a frente, na Rua 104, encontro Ivo, de cabelos brancos azulados como o algodão de Santa Helena. Tinha uma bengala com uma cabeça de cachorro torneada no alto. Respondeu ao meu gesto com atenção. Perguntou se eu tinha visto uma cachorrinha poodle branca. O nome dela é Fofucha. Gastou preciosos minutos falando da sua vida; tinha filhos e netos adolescentes. Contou que se aposentara como professor da Universidade Federal de Goiás onde foi um dos fundadores do curso de jornalismo.

- É, meu filho, na minha idade o tempo escoa com uma lentidão excruciante.

Vi a luz do dia com outros olhos. A emoção de sentir as pessoas vai comigo, colada à minha pele. O vento me sopra: “fale sobre isso na sua crônica”.  Tomei nota  e continuei andando pelas calçadas desniveladas do Setor Sul.

Num banco da viela escondida do Projeto Cura encontrei uma mulher lendo a Bíblia. Assim que começamos a conversar percebi que estava diante de alguém especial. Dona Luzia, esse é o seu nome, foi contando como aprendeu a ler a Bíblia.

-Sabe, moço, eu só sei ler a Bíblia. Não sei ler mais nada por que nunca fui á escola. Um dia senti uma dor no peito. Estava só no meu quarto de empregada doméstica. Tive a sensação de morte. Num impulso abri a Bíblia e decifrei um versículo. Chorei muito de emoção e espanto. Recebi um milagre de Deus. Juntei uma palavra à outra e me vi atravessando páginas como se nadasse no rio Vermelho da minha Aruanã.

Despedi-me emocionado com a história de Dona Luzia. Dei alguns passos e já estava diante da casa do amigo. O sol do Setor Sul ilumina todos os cantos. O Setor Sul, espichado atrás do Palácio das Esmeraldas,  é onde o sol se mostra por inteiro. Deveria se chamar Setor Sol. Sonho com  um mundo com mais sol que espelhos.

A caminhada me deu ânimo. Fez-me ver no outro a sua grandeza universal e única. Toquei a campainha. Encontrei o amigo que procurava. Estava certo de que teríamos um bom bate-papo.

Doracino Naves é jornalista, diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na fonte TV (www.raizestv.net)

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