quinta-feira, 21 de julho de 2011 | By: Doracino Naves

Apito no cemitério


As maiores emoções do homem estão ligadas ao amor. As minhas foram o nascimento dos filhos, os adeuses aos amigos e aos parentes que partiram. Vivo de amores por lugares onde construí meus sonhos: Porto dos Barreiros guarda números gravados a canivete por meu pai num mourão de fazenda: 17.01.49; Palmelo tem dois corações desenhados inocentemente numa pedra à margem do córrego Caiapó; em Goiânia decifro signos e símbolos até encontrar a senha para entrar no outro mundo. Errante, já andei pela maioria das ruas daqui. Continuam becos da minha caminhada a Vila Nova, o Bairro Popular, Campinas, Setor Sul, Universitário, Oeste, Marista e o Setor Coimbra.  Paro essa relação por aqui senão essa crônica vai ficar parecendo lista telefônica. Às vezes me confundo em minhas abstrações.

Quando isso acontece vago pela cidade até me reencontrar. Sinto a presença de Deus a minha frente.  Outro dia, quando me dei conta, estava no topo do Morro do Além. Ao lado está o cemitério, recôndito lugar de beijo de esqueletos. O celular, atrevido, tilinta. Mas, no sono eterno dos moradores do cemitério o apito nem é ouvido. Intrigante a existência dos homens. No cemitério estão os mortos que já morreram; outros que vão demorar a morrer. Ainda há os que jamais morrerão; seus feitos construíram a eternidade e serão sempre lembrados. 

Goiânia está embaixo dos meus pés. Do alto comparo a minha Goiânia a Paris, Viena, Roma, Buenos Aires, Atenas, Veneza e, inevitável, apesar das diferenças, o Rio de Janeiro. Goiânia é ainda mais bonita e misteriosa. Tem encantos que outras não têm. E é uma cidade-menina comparada às demais. Fez-se pólo de uma civilização importante ao interior do país. Por aqui muitos pioneiros e seus filhos ainda constroem a história e a cultura iniciadas por Pedro Ludovico Teixeira; continuadas por Iris Rezende.

Estou no lugar mais alto da cidade. Fico. Meus sonhos, no entanto, me lembram: “O céu é em cima; não embaixo dos pés”. Quero falar com os anjos de Deus que voam leves sobre a cidade. Elevo os meus pensamentos. Os homens, maliciosos, fazem da prece uma desculpa para ficar mais leve no fim da caminhada. Porque homem nenhum suporta o peso da carga dos pecados da espécie por muito tempo. Quando nasci um tio disse:

-Este menino deve ser forte para aguentar a vida no lombo. Muito forte!

Do alto do Morro do Além uma cadeia de nuvens ameaçadoras cresce sob o céu azul. O mundo escurece de repente. O vento sopra forte noutra direção e as nuvens, obedientes, desaparecem no ar. As emoções contrárias também se afastam humilhadas quando o amor comanda. Protegei, ó Deus, os meninos tristes de canelas finas e olhos de esperança que vagam pela cidade. Perene é o amor que resiste aos sonetos e sobrevive às tormentas das emoções. 

 Doracino Naves é jornalista, diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.raizestv.net)

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