sábado, 10 de março de 2012 | By: Doracino Naves

Os Surdos Usam Gravatas Coloridas!

De todas as artes, talvez a que mais me emociona é o circo. O cinema também me encanta. Quando cheguei a Goiânia pude ver no cine Santa Maria o seriado Roy Rogers. Além das camisas coloridas do ator, o seriado trazia novidades que, depois, foram copiadas pelo cinema e pela televisão: um cavalo, Trigger, tido como o mais inteligente de hollywood e um ator coadjuvante boboca que era chamado de siderick. Uma mistura perfeita para chamar a atenção da garotada. Aos domingos mal terminava minha missão de engraxate no mercado da Vila Nova e corria a tempo de ver o filme. O cinema, sonho; o circo, realidade.

Em Palmelo ou em Goiânia o circo me deixava perceber que os meus heróis, o trapezista e o palhaço, eram de carne osso. A chegada de um circo era um acontecimento importante. A banda de música, literalmente, ia às ruas. Uma caravana de meninos acompanhava o palhaço de megafone a punho. Sua voz, inesquecível, provocava uma resposta:

-Hoje tem espetáculo?

Os meninos, alegres, respondiam aos gritos:

-Tem, sim, Senhor.

- E o palhaço, o que é?

 -É ladrão de mulher!       

E o cortejo percorria as ruas e as praças como se fosse um bando de periquitos no buritizal. O prêmio por seguir o palhaço seria entrar de graça no circo.  Cada um de nós - habitante do mundo - tem um papel a ser cumprido nessa vida efêmera e, às vezes, sem sentido. O do artista de cinema, televisão e circo é o de emocionar as pessoas. Nada é mais importante no mundo do que o seu destino. Para essa missão foram feitos os rios, as árvores, o sol, a lua; os homens foram feitos para se multiplicarem. Assim como o vento só é vento quando venta, a vida terrena só se realiza quando cumpre o seu desígnio.

O do palhaço é divertir as pessoas que vão ao circo. Lembro-me de um palhaço que se apresentou no Cine Teatro Goiânia, no começo dos anos 60. Conheci-o, sem a sua fantasia, na  Fonte do Paladar, uma lanchonete do Centro. Seu nome: Carequinha. Ele tomava um copo duplo de vitamina e eu, ao lado, no balcão, comia um pedaço de bolo de fubá. Notei que suas vestes “civis” eram de cidade grande: São Paulo. Naqueles tempos, a roupa mostrava a procedência da pessoa. Então, imagine que quem morasse em Goiânia vestia roupas diferentes, inclusive daqueles que moravam no interior, cujas roupas, feitas na sua cidade, tinham o jeito do lugar. Assim, as roupas representavam a cultural local... Deixa pra lá. Voltemos ao palhaço.

Trocamos algumas palavras. Percebi a diferença de linguagem, a dele, com sotaque paulista; a minha, do interior de Goiás. Ele me disse, virando o copo com a última gota de vitamina de abacate. Fitou-me severo e compenetrado:

- Minha missão na vida é divertir as pessoas. Muitos palhaços usam gravatas coloridas, mas não percebem o valor da sua arte. São surdos quando o assunto é ouvir os outros. As gargalhadas espontâneas ou risos disfarçados revelam o caráter. Só os surdos usam grandes gravatas coloridas. Eu, não. Minha gravata borboleta tem o nó torto e cores amenas para que  eu possa ouvir melhor.

A romântica realidade do mundo é a minha descoberta de todos os momentos. E a maneira de explicar isso é escrevendo. A figura do palhaço ressuscita as emoções da infância e da adolescência. Isso me alegra, satisfaz e me basta.

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