quarta-feira, 15 de janeiro de 2014 | By: Doracino Naves

Serei moço até a morte

Começa 2014 e eu continuo aqui na terra. Logo no primeiro dia útil fui cortar o cabelo, coisa que faço há quarenta anos com o mesmo barbeiro, no salão do Adonias, no Bairro Popular.  Logo que pus a bunda na cadeira pensei: meu Deus, eu não sou dessa época; tudo o que vejo e sinto é dos anos cinqüenta, sessenta ou setenta.  A linotipo, os Beatles, o futebol arte da seleção brasileira, a inauguração de Brasília com JK, Marilyn Monroe. Oh, Marilyn... Ainda bem que partistes na flor da idade, poderia ser uma velhota à Brigitte Bardot.

Sou do passado. Época em que o Vila Nova fora tricampeão no Estádio Olímpico. Lembro das tardes de turfe no Hipódromo da Lagoinha; da leitura obrigatória de Nelson Rodrigues e Stanislaw Ponte Preta; Emerson Fittipaldi - amigo do Beatles George Harrison -  correndo nas pistas da F1 em sua Lotus desvairada; Chacarinha balançando o sábado; Di Cavalcanti e suas mulatas carnudas. O cubismo de Picasso; Matisse e suas putas delirantes. Essas imagens despertaram os meus olhos à estética; descobri a pintura singular de Siron Franco. Deus do Céu, o que estou fazendo em 2014 se o meu limite seria 2001, uma Odisséia no Espaço. Pousei nesse tempo como se fosse um perfeito intruso no século vinte e um.

Quero voltar aos anos de John Wayne, Burt Lancaster, Gina Lollobrigida e à Goiânia de muitas águas; puras e doces como era a vida. Eu sei que nada disso vai voltar. Pelo menos - é um ululante consolo – guardo na memória o mundo romântico de outrora. Eu confio no amor e na eternidade; não consigo envelhecer, serei moço até a morte. Por falar nessa indriblável senhora, ela rejeita a taça de vinho tinto que lhe ofereço como sinal de amizade; nem aceita um cigarro. Porque não bebo e nem fumo o meu oferecer lhe parece falso. Ou talvez seja porque aguarda o momento certo para a visita fatal.

Não importa, estou no lucro, pois já atravessei o século vinte. Mas, ainda posso ouvir a suave bossa nova, a MPB, o Blues e a boa música caipira. Também quero voltar ao passado de reverência aos valores morais e aos bons costumes dos antigos. Essas digressões pensadas na cadeira do barbeiro são interrompidas por um homem de cabelos gris que me reconhece cronista do DM. Disse que gosta do que escrevo; embora satisfeito com a opinião do leitor, recolho o trem de pouso da vaidade. Silenciei-me; qualquer coisa que dissesse seria inútil.

Sou o bobão da Laudelina que se meteu a escrever amenidades para o jornal. Todos os jornais já estão cheios de filósofos e moralistas com seus pedantes textos de auto-ajuda. Comento o cotidiano no sentido de tocar o coração do leitor. Quando consigo sinto-me realizado. 

Pois é, então viva o Vila Nova que morre um pouquinho em cada jogo; é um bom perdedor, mas me ajuda a ganhar mais paciência.  Viva, Vila! Não me abandone ao deboche dos adversários.

Olhei para o meu rosto refletido no espelho do salão com uma expressão de quem nada mais tem a fazer no mundo. Fixei o olhar no fundo dos meus olhos e descobri essa verdade.

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural (WWW.raizestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

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