segunda-feira, 20 de janeiro de 2014 | By: Doracino Naves

Cheiro de trovão

É assustador o ribombar do trovão em noite escura.  A primeira imagem que me chega de trovões é a que me contaram quando eu era menino. São Pedro quando estava contrariado com os homens batia delirante em tambores feitos com o couro da Constelação de Taurus. Sem ao menos calcular aonde acerta o raio, São Pedro manda à terra os relâmpagos tirados da luz do olho esquerdo de Aldebarã. Nas noites de trovões eu cobria a cabeça e pensava na irresponsabilidade de São Pedro em jogar raios a torto e a direito. E se cair na cabeça de uma criança? Pedro, tu és um desatinado. 

Dormes, menino. Bem sei que o teu sono foi interrompido com os trovões soltos ao vento. Na garganta há uma indefinível secura de medo; o corpo treme. Sossegas, tudo isso há de passar; os anjos protegem as crianças, os velhos e os bêbados. Ah, trovão, se é assim, então chicoteias forte, repercutirás no alto da serra a força de mil tambores celestes; vai, trovão, atiças a imaginação do menino que perdeu o sono; acordas os pássaros que dormem nos galhos da mangueira no quintal. Trovão, aquietas o latido do cachorro que late para os fantasmas dessa noite. Falas alto,vais, trovejas o quanto quiseres.

Roncas, trovão falador! A tua voz provoca risos amarelos nos notívagos e obsedados; no hospital a enfermeira ri para espantar o medo de faltar luz na sala cirúrgica.  Rias, mulher, ris gostoso e rezas com fé; a tua oração afasta o perigo, mas provocas loucura nos homens quando sorris maledicente. Há um indecifrável mistério no sorriso das mulheres. Mais ainda quando está acompanhado com o olhar de quem olha através do outro; enxerga o infinito da luxúria. O sorriso de uma mulher tem mais poder do que o trovão e é mais ameaçador do que os relâmpagos que caem nessa noite. Pai nosso que está no céu...

Começava a orar para que Deus protegesse a nossa casa e os meus irmãozinhos contra os raios de São Pedro. Minhas rezas sempre deram resultado; logo os roncos dos trovões silenciavam e a chuva caía mansamente sobre as telhas coloniais de nossa casa em Porto dos Barreiros. E a figura de São Pedro - que eu imaginava gordo e suado - tocando acelerado o seu tambor, se transformava, pelos pedidos ao alto, na doce figura do apóstolo e santo católico. E o ronco dos trovões me incomodam desde essa época. Cruz-credo para os trovões carregados de raios.

Nas cidades grandes eles são ainda mais aterradores; o estrondo metálico com presságio de chuvas ameaçam invadir ruas, podendo entrar furiosas nas construções feitas no caminho das águas. E os prédios de tijolos e cimento são delirantes caixas de ressonância. Nem sempre o trovão significa toró. Em algumas situações o vento forte afasta as nuvens negras; clareadas pela prece vertical do medo.

Da janela alta vejo o céu e os prédios vizinhos. Se eu soubesse pintar os pintava com cores bem carregadas. E, no meio do céu, desenharia o sorriso de Clara. Como não sei fazer versos grito em forma de canção o nome da esposa amada bem mais alto do que os tambores de São Pedro: Clara! Clara Dawn! Eu te amo!!!!!!

O trovão já não me assusta. Espanta é o trabalho dessa crônica silenciosa a preparar o meu espírito para quando chegar o segredo do túmulo.

            (Publicada em 18 de janeiro de 2014 no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás. Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural Escreve aos sábados no DMRevista)  
             

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