terça-feira, 9 de julho de 2013 | By: Doracino Naves

O silêncio de Seriema

A Seriema tagarela corre pelo cerrado ensolarado como se fosse o seu palco exclusivo. Num palco iluminado pelo sol é mais fácil aparecer. Seriema subiu em um cupinzeiro com os sentidos abertos a uma determinada aparição. A ninfa alada avistou, longe, um pássaro de plumagem negra, topete encrespado e bico de cores vivas, destacando o lilás.  Assim é o Mutum. Seriema o via como o pássaro mais bonito do mundo. Por esse motivo Seriema cantava noite e dia, fosse no meio da mata de galeria ou no descampado. Mutum chegou mais perto e ela fez de tudo para conquistá-lo. Ele a desprezou com fizera outras vezes. Aliás, as leis da natureza não registra nenhum romance entre uma seriema e um mutum; são espécies diferentes.
 
Nas conversas com outras seriemas o assunto dela sempre foi Mutum. Virou obsessão. Até que a esposa de Mutum desconfiou do interesse de Seriema pelo seu marido. Vendo que poderia perder Mutum desandou a falar mal dele. É um sem-vergonha que vive atrás de qualquer rabo de penas. Seriema o defendeu dizendo que Mutum era um pássaro fiel. A esposa culpou Seriema pelo fracasso em não flagrar a traição de Mutum e a condenou a baixar o rabo, ao contrário da cauda arrebitada que Seriema ostentava antes desse episódio. 
 
Mas não desistiu de conquistar Mutum. Em todas as tentativas ele a desprezara. Seu canto alegre e estridente passou a ser um canto triste. De tanto ser cortejado Mutum se achava mais bonito do que o urubu-rei. Um dia ensolarado foi beber água num riacho de águas límpidas e espelhada. Nisso viu a sua própria imagem e se apaixonou. Passou a viver somente cultuando aquela imagem, para ele apaixonante e arrebatadora. Nem se preocupava mais em beber e comer. Fraco, foi definhando até morrer. Seriema, sempre atenta aos movimentos do amado, o enterrou próximo a uma queda d’água. No lugar nasceu uma cintilante flor lilás chamada quaresmeira.
   
Desde então o canto de Seriema ecoa roxo pelo sertão. Quando para de cantar talvez pense em Mutum. Mais triste que o canto é o seu silêncio.
 
 
(Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em julho de 2013)
 
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (wwww.raizestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

1 comentários:

sonia fleuri disse...

Adorei vou trabalhar com meus alunos no retorno as aulas. Visitarei mais vezes a procura destas riquezas literárias. Parabéns!

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