domingo, 23 de setembro de 2012 | By: Doracino Naves

Chuva das flores



É sobre as águas que este ano nunca chegam que chamo. Vem, chuva, acompanhada pelo vento fraco para não arrancar o teto das casas humildes. E ao ventar desapeie das árvores as folhas secas, carentes de água, a rangerem na minha madrugada. O vento, qual fantasma que nunca dorme, rola as folhas em movimentos circulares pelo asfalto. Peço que dentro dos redemoinhos saiam anjos a zelar o sono da minha amada. Que a chuva temporã calem as folhas derramadas no asfalto. Dorme, amor.
 
Água, vem, cubra com sua roupa translúcida as assanhadas árvores peladas das ruas de Goiânia. Elas se despiram das folhas, na voluptuosa passagem antes da primavera; na gestação das eras. E o vento sul traz nuvens, poeira, bafos de calor salpicados de tímida umidade. O canto da cigarra ecoa forte no ar pedindo chuva. Outras, trepadas nos galhos nus, formam uma orquestra desafinada. Os trovões anunciam a chegada da chuva das flores. Das de manga, caju, pequi, araticum, bacupari.
 
Nesses tempos inseguros, a precisão das chuvas rompe as barreiras da imprudência do homem que constrói prédios e asfalto impedindo a terra de respirar. Lá vem a chuva das flores como se fosse um mar desorientado a molhar nossa alma seca de amor ao próximo. Diz a cultura popular que a chuva das flores traz fartura; amacia o pasto do nosso bife; molha as entranhas do ovo nosso de cada dia; dá água às frutas. Mas, arranjo do tempo, derruba as flores do ipê. A sorte é que, murchas, elas adubam a terra para confirmar o florir do ano que vem.
 
Vem, chuva, vem! Bate os seus pingos nas janelas dos apartamentos. Lava a cara de pau dos políticos e tire o pó do espírito de porco. Chuva chega mais perto, tira o zinabre do tempo para que o nosso olhar vá mais longe sem as partículas impuras do ar. Vento uive à vontade por entre as frestas das janelas semiabertas. Seque os beijos dados sem amor.
 
Venha logo, chuva das flores, traga o ronco das antigas trovoadas com os relâmpagos a vazar, com suas luzes, as cortinas do quarto. Molhe a mangueira do quintal. Mas, peço ao vento e chuva das flores, venham calmos como se fosse uma tropa de cavalos mansos cavalgados por homens sem pressa.
 
 
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural(www.raízestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

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