domingo, 19 de agosto de 2012 | By: Doracino Naves

Santo de rapadura

Nos momentos deinstabilidade política aparecem os pequenos agitadores reformistas com seus discursos abrasados. É mais fácil por a culpa nos outros; políticos,governantes, Mano Menezes e até o Neymar é responsável pelas derrotas do Brasil. Daqui a pouco ele também será o responsável pela  péssima colocação do país no ranking mundial da educação. Todos somos santos e o outro é sempre o culpado. Santo de Rapadura é o que somos. Vale lembrar que a rapadura é dura, mas é feita com açúcar e derrete na água e ao sol.

É o santo de barro da escultura, na versão roceira. Quando penso em escultura imagino que Aleijadinho vive na minha sala de classe média; até os móveis, numa mágica incrível, se transformam em esculturas. Quando menino, nos antigos campos de pelada, qualquer negrinho era chamado de Pelé. Dessa forma Pelé também jogava no meu time. Vejo Guimarães Rosa em cada buritizal do meu sertão. Ao ler Crime e Castigo, imaginei Dostoievsky perambulando pelas ruas de Goiânia. Não é assim, imaginando, que a gente vê Brigite Bardot, Sofia Loren, Gina Lollobrígida -  todas da boa fase do cinema - fazendo biquinho para nós?

Quanta força, meu Deus, tem a nossa imaginação, capaz de transformar sonhos em realidade. Talvez, para quem escreve, o difícil é fazer da realidade, utopia. É preciso sonhar. Às vezes o nosso sonho se perde em mera abstração, mas serve para fugirmos de nós mesmos. Pode ser por isso que nos momentos de crise aparecem tantos revolucionários de botequins. Nesse meio também existem os de ideal puro.

Lembro-me do amigo Oswaldo Preda, aluno da Faculdade de Direito da Católica nos anos 60, antigo sócio num escritório de contabilidade, decepcionado com o movimento estudantil contra a ditadura militar de 64. Na primeira reunião foi-lhe entregue tinta e uma brochapara pichar muros e paredes com frases de protesto. Desistiu e voltou ao seu emprego de balconista na farmácia do Tio Chico, em Campinas. O movimento cresceu com os discursos dos estudantes secundaristas e universitários. Depois vieram os atos de repressão com prisões, mortes e o exílio dos ‘terroristas’ brasileiro; a maioria era composta de estudantes idealistas. Hoje os estudantes se calam diante da greve das federais e enfiam a viola de conveniência no saco das incertezas.

A convicção ideológica, se ainda existe, vai embora com o primeiro balde de água fria ou com a luz da moeda tilintando nos cofres. Essa é uma realidade que poderia ser romanceada com os entretons da utopia. Ninguém retratou melhor do que Tchekhov os anônimos revolucionários e seus discursos hipócritas. Percebo que Tchekhov está aqui quando vejo muitos atirando a primeira pedra.

Não gosto mais da política...estou cheio dela...Acho que já vi tudo... Mas, tenho ideais...

Doracino Naves, jornalista;diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.programaraizes.net).

(Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás, em 18 de agosto de 2012).
              

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