segunda-feira, 13 de agosto de 2012 | By: Doracino Naves

Linha das águas

Noutro dia alguém me perguntou sobre o melhor personagem para escrever numa crônica. Respondi com evasivas porque não saberia explicar isso. As histórias e os personagens chegam sem aviso. Igual a um olho d’água que brota no meio do brejo. O baú onde são guardados os casos e a caixa d’água da natureza segue o curso da criação. Há momentos de escassez e abundância de água e luz. Então, escrever é furar um poço até encontrar água. Ou então, ironia, querer uma luz melhor que o sol.
       
Quando penso uma história acho-a fantástica; o mundo é mágico e incompreensível. Por isso os grandes escritores são, ao mesmo tempo, ficcionistas e realistas. Mas, o leitor não precisa, necessariamente, sentir-se da mesma forma que o autor. Mesmo que não pense exatamente igual, ele precisa acreditar que o autor não descrê do que escreve. O papel do escriba é crer em suas histórias e percepções.
       
 Devo confessar que me assusta  ver as pessoas morrendo nas trincheiras da guerra ou das drogas e outras fazendo dinheiro. O brasileiro adora a classe média insensível e hipócrita no seu pedestal de aparente sossego. Por ser a responsável pela economia do país a classe média é levada a pensar que é uma raça superior. Ela vê as coisas e não diz nada; greve das federais, desempenho pífio nas olimpíadas, candidatos sem ideal ético, repassam um mundo de descrença.
      
Existe em nós uma tendência à aceitação frenética de que o nosso lugar no mundo é mais seguro. O bêbado na sarjeta parece inferior e a celebridade do universo virtual, imensamente superior. Daí a idolatria ou a repulsa.
       
A arrogância induz a pensar que, se alguém não domina o vício não merece viver. Quem chegou ao topo da fama é imune a tudo; nunca adoece nem tem necessidades fisiológicas. A maioria imagina que o bêbado é irremediavelmente sujo e a celebridade impecavelmente limpa. O interessante dessa história é que o bêbado se acha um lixo e a outra se vê perfeita em todas as coisas.
        
Transpondo os limites do real ou do imaginário, não sei dizer se o mundo é um processo natural ou algum tipo de sonho. O que sei, não importando a natureza dos fatos, é que posso duplicar o bem  ou o mal  nas outras pessoas.
       
Nada no mundo é mais do que o destino de cada coisa. Para cumprir a sua missão de crescer foram feitas as árvores, os rios, as águas, o sol, a lua e o homem. A ordem suprema é multiplicar tudo. Creio no mundo porque o vejo e em Deus Pai por senti-lo. O centro da minha história é sempre aquele que posso, pelo menos, dobrá-lo com o meu olhar míope.

(Publicada no Jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia, Goiás em 05 de agosto de 2012)

      
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural (www.programaraizes.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

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