segunda-feira, 13 de agosto de 2012 | By: Doracino Naves

Olhos de meia lua

Começou, nessa quinta feira, em São Paulo, mais uma Bienal do Livro. Vai até o dia 19 de agosto. Milhares de livros nos estandes e uma multidão de gente com fábulas na cabeça; histórias e personagens nascidos da iluminação do escritor. Tem livros para todos os gostos. Prefiro os de ficção, aqueles que fincam suas raízes numa realidade, às vezes, plangente. Do que o ficcionista mais gosta é construir personagens e submetê-los à sua vontade. Só que o escritor não pode permitir que seu personagem faça besteiras. As histórias e os personagens devem ser tecidos com qualidades musicais e pictóricas.
         
Penso nisso com os braços apoiados no batente da janela da minha casa; os olhos de meia lua fixos num ponto minguante do céu. Eu, sem os óculos, vejo a lua cheia faltando um pedaço. Talvez seja assim que percebo os fatos que acontecem a minha volta. Antes de usar óculos, lá pelos idos de 1968, entendia a lua cheia com uma ficção. Eu era míope sem saber disso. A bola que o Vila Nova jogava no velho estádio Olímpicosó era redonda porque eu a enchia de amor. Via a bola dos adversários pela metade; a do meu time, ao contrário, estava sempre cheia.
       
Só descobri a minha deficiência visual quando fui tirar a habilitação para dirigir carro. Nesse dia, ainda no sistema de visualização de uma placa com letras na parede, não enxerguei nem aplaca. Depois dos óculos prontos, ajustados aos meus olhos, vi o mundo mais nítido. Hoje, os meus óculos me servem para ver o mundo segundo o roteiro do Criador. A vida, assim como o roteiro de cinema, é uma obra de autor. E o roteiro que devo seguir – que já veio pronto - tem um plano de execução.
           
Encostei meu ombro esquerdo na coluna da janela pensando em tudo isso. O sino da Catedral tocou suavemente, talvez anunciado a missa das seis. Deus raramente coloca a gente para falar por Ele. Podemos até parecer com Ele e até tomarmos emprestados exemplos da vida de Cristo, mas temos que pensar  e interpretar o nosso papel como seres autônomos com opiniões e o nosso jeito de expressar a vida com o foco nos preceitos Divinos.
          
Continuo pensando na montanha de livros da Bienal de São Paulo. Cada autor tem um modo de criar a sua obra literária. Paul Auster, escritor norte americano, autor, entre outros, de Espaços Brancos, diz “que os livros nascem da ignorância e, se continuam vivos depois de serem escritos, é apenas na medida em que não podem ser compreendidos”. A escrita, assim como cada obra de arte, é autobiográfica e íntima.
           
Uso a primeira pessoa é a minha melhor opção de cronista. Não sou vendedor de flores e nem piloto de avião. Mas, assim como Ícaro, quero aprender a voar bem alto, mesmo que as minhas asas sejam derretidas pelo calor do sol.


(Publicada no Diário da Manhã -DMRevista - Goiânia - Goiás em 12 de agosto de 2012)

              
Doracino Naves, jornalista;diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na fonteTV(www.programaraizes.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

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