segunda-feira, 4 de junho de 2012 | By: Doracino Naves

Aprendiz de tuba

Quero ser um cadáver jovem e bonito. Acho que todos nós queremos ser assim. De preferência com o rosto corado e sorridente. De olhos bem vivos. Alguém dirá: “Ué, nenhum cadáver é assim!”. Não é mesmo! 

Mas, todo morto que se preza deve se apresentar para o juízo final com um aspecto cansado, olhos fechados e tristes para merecer a indulgência do Pai. Isso pode ser uma esperança. Mas a morte, não, é real. Mesmo que lutemos bravamente para sermos eternos ela vem implacável e sem aviso. 

Às vezes chega mansa e noutras furiosa como a onda gigante dos mares asiáticos. Impiedosa, ela deixa, literalmente, o corpo aniquilado. Por isso a aparência de todo cadáver é a de uma flor murcha. Nem a teoria ressurgente de Nikolai Federov vence os limites humanos da morte. E o homem continua vagando pelo espaço vendo a morte como insolúvel solução; a única porta que vislumbra o Eterno.               
           
O bochicho nos velórios é o de que o morto descansou.
            
- Chegou a sua hora, por isso ele foi para a Luz.
            
 A impressão que tenho, tentando prever o que vem no galopar das eras, é que serei um cadáver comum como a maioria; derrotado pela fatalidade. Cioran provoca dizendo que a certeza da não salvação do corpo é, na realidade, a salvação da alma. É com essa fé que mergulhamos nas cogitações do espírito. De caráter mais prático, a filosofia popular de Simão, o Sem Caráter, diz que o homem, com o passar dos anos, fica parecendo o fuso da roda; fino nos extremos e roliço no centro. 

Alude, ao seu olhar, ao afinar das pernas e bunda, ombros e braços pela flacidez impiedosa do tempo; com a barriga saliente formando uma bola no meio do corpo. E o vira-e-mexe do fuso para frente e para trás representa a maçaroca do mundo em que nos metemos ao nascer. Cada canta a música da eternidade numa total desarmonia com a natureza. Se ela tivesse olhos de ver, perceberia que somos, enquanto indivíduos, mais desafinados do que aprendiz de tuba. Só a generosidade e o amor podem triunfar sobre a morte. As boas causas duram para sempre.
            
Penso que o terror da morte talvez seja o medo de ficar sozinho do outro lado, amarrado numa pedra como ficou Prometeu depois de roubar o fogo. “Não me posso calar, nem protestar contra a sorte que me esmaga! Ai de mim!”. E aí, quando o corpo sucumbir diante da sua sorte o espírito viajará pelo cosmo como estrela no eterno firmamento do cosmo; a face refletida pela eterna manhã.  

             
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na PUC TV (www.raizesjornalismocultural.net). Escreve aos sábados no DM.

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