terça-feira, 12 de junho de 2012 | By: Doracino Naves

Uvas brancas

Movido por um vislumbre de luminosa presença em dois tempos, um século antes e hoje, e se eu pudesse me entregar  a um registro  mágico, mostraria as fotos da mata fechada e o cerrado escolhidos por Pedro Ludovico para a construção de Goiânia e, os dias hoje, com a capital praticamente consolidada. 

Perceberia, como se fossem auras a iluminar os chegantes, os portais de entrada sendo erguidos com milhões de luzes multicoloridas; cada uma representando uma alma que aqui chega ou aqui nasce. Feliz de quem conhece a causa das coisas. O futuro reservou a nós um feixe de louros e galhos de palmas para os melhores momentos. Nossa missão é fazê-los acontecer. Cada entrada da cidade cintila numa dimensão cósmica, plasmando uma tradição: a mineira; a paulista; a nordestina; a sulista ou de outros países.
 
Elas representam, individualmente, um povo. Dórica? Jônica? Compósita? Corintía? Toscana? Goiânia é um universo de terras  cuidadosamente separadas pelo Criador. A imaginação aqui trabalha igual formiguinhas num pé de laranja.São muitas goiânias numa só. Vidas que se enlaçam e projetam cintilante pó de pirlimpim. Na cidade dos anos 1960 Gabriel Nascente inventava submarinos; Aidenor Aires arriscava os primeiros versos engabelando as donzelas da Vila Nova; Eurípedes Leôncio percebia a escrita numa gráfica do centro. E Miguel Jorge? Talvez perdido no ermo da Vila Coimbra ou misturado nas Veias e Vinhos do Bairro Popular. Havia sonhos, mas havia o ócio. O ócio  e o tédio são caminhos que podem nos levar ao sonho ou ao desespero; só o poeta é capaz de construir metáforas trilhando os solenes e arrebatadores atalhos da poesia. Não há enfado para o poeta. Ele descobre os lugares escondidos da alma numa busca loquaz até achar o verbo.
 
Ao redor da vida, o jardim goianiense;  a contínua e fechada mata expunha a careca do cerrado com as verrugas dos cupinzeiros feitos com terra vermelha e branca-cinza. Longe, bem longe, o diorama da serra da macambira, hoje Serrinha. No Centro, postes de aroeira sustentavam toscas lâmpadas iluminadas por um motor de navio. O período de férias trazia preocupação sobre o que fazer. Os rapazes, ávidos, forjicavam meios de ocupar o tempo. O Lago das Rosas perdera os encantos por ser um lugar marcado pela tragédia de repetidos afogamentos. O campo de terra do Bosque do Botafogo só se  fazia opção quando tinha jogadores suficientes para formar dois times.Restavam as matinês dançantes nas casas da família. A zona do meretrício, muitas vezes plácida Escola de Rembrandt,  ficava pelas bandas de Campinas; proibida para menores.
 
Restava-nos  o cinema; palco de luzes a clarear as deusas de Hollywoood. Mesmo quando o sol brilhava lá fora, a sala escura amoitava mãos espertas e o grito de Tarzan abafava as juras de amor, eterno enquanto durava o filme. O fim da sessão também encerrava encontros furtivos e secretos. Continuar o namoro, quem sabe? Férias, ócio; a monotonia é tediosa e corruptora. Nada mais perigoso do que o não ter o que fazer. Nossos pais nos desejam o céu; o mundo o inferno tormentoso.
 
No meu tempo de espera, que já dura décadas, posso ver o passar dos tempos nas retinas dos olhos com colunas de densas imagens. E elas são umbrais que sustêm as vergas do tempo. Quero ser um universo que se encanta no meu chão enfeitado com um docel de estrelas formado por cachos de uvas brancas da região do Minho.
 
 
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Joranlismo Cultural, na Fonte TV(www.raizestv.net). Escreve aos sábados no DM.

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