domingo, 19 de fevereiro de 2012 | By: Doracino Naves

O fantasma de Simão Sem Caráter

Os escritores são vistos no mundo ocidental como autores de entretenimento. No oriente médio - inclusive em Israel e alguns países do leste europeu - são tidos como profetas. A crônica brasileira ganhou status de literatura a partir de Machado de Assis. Rubem Braga, o mestre desse gênero literário, se eternizou escrevendo crônicas. Na opinião de Mário Palmério, autor de Vila dos Confins e Chapadão do Bugre, é o cronista quem escreve a história.

Os poetas goianienses narram com leveza a alma secreta da cidade. Cada autor escreve no seu estilo e, nós brasileiros, pensamos e escrevemos – bem ou mal - em português. Alguns escritores – depois da maturidade – arriscam em outros idiomas. Mas, o ato de criação se processa na primeira língua, o primeiro amor do verbo. Eu, por exemplo, só escrevo em português porque não sei outro idioma. Se bem que no Serra Dourada, quando o meu Vila Nova joga, arrisco palavrões que não constam no dicionário. Mas, agito em português uma bandeira vermelha e branca que fala de amor.

Sonho, torço, xingo o juiz,  técnico,  jogadores e diretoria do Vila Nova no português falado nas ruas. Depois me arrependo e bato palmas de incentivo a qualquer jogada medíocre.  Cobro raça aos jogadores. Tudo em vão.  Às vezes penso que falo em outro idioma porque o Vila continua descendo a ladeira e perdendo mais jogos do que o Íbis, que se orgulha de ser o pior time do mundo.  

Oh, Vila Nova!... Não há jogo de futebol que não seja para amar-te ainda mais. Minha alma não enverdece nem torce por outras cores.  Se eu gostasse de carnaval seria um pierrô de vestes vermelhas e de bruns brancos dilatando luzes vestidas de chuva e sereno. É isso aí, Vila, mesmo não ganhando hei de te amar.  Oh, Vila Nova que me ensina que quando estás morto   estás vivo e podes ressurgir das cinzas, tal qual a Fênix mitológica. O Vila há de ganhar do não ganhar. Quero estar presente nesse dia, mesmo que a vitória seja de meio a zero.

Pensando assim fui ver a última partida Vila e Atlético. Escolhi umacadeira, de baixo das cabines, no setor de arquibancadas onde meus olhos míopes não se atrapalham. O fantasma de Simão, o sem caráter, sentou ao meu lado. Simão nasceu imune aos hábitos, virtudes ou defeitos. Jamais toma uma decisão, nem faz escolhas. Ele só está aqui porque, de alguma forma, o chamei.

- O Vila vai jogar bem, mas penso que vai perder o jogo.

Espanto nas hostes das ilusões pela inusitada opinião.

- Olha aqui, Simão, o Vila vai ganhar. Precisa ganhar.

- Ah, se você pensa assim, tá bem. Então, quem marcar mais gols ganha o jogo.

Fiquei calado. Simão já torceu por todos os times de Goiás, influenciado por outras pessoas. Houve uma época em que torcia pelo Anápolis de Nelson Parrila.  Depois foi torcedor do Goiânia. Sempre para o time em que a torcida está mais animada.  Simão caçoou do Vila durante todo o jogo. 

-Tá vendo, o Vila joga bem, mas não marca gol. Não adianta jogar retrancado, vai acabar levando um gol de falta.

Além de outro espanto pela avaliação do jogo, tive uma sensação de que ele estava certo.

Se eu dissesse o contrário ele desdizia tudo. Preferi assistir ao jogo. O juiz marcou uma falta. Senti um calafrio como se o prenúncio de Simão Sem Caráter fosse se cumprir. Enquanto os jogadores doVila armavam a barreira o fantasma de Simão já estava junto à trave esquerda do goleiro do Vila. Bida bateu a falta naquele canto. Gol do Atlético. Simão abriu os braços como se dissesse: Não falei?
Conhecemos, amado Vila Nova, mais uma derrota. Meu coração vermelho bateu num ritmo mudo. A alma quis sair logo do Serra Dourada. Uma rajada de vento balançou os meus cabelos.

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