segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012 | By: Doracino Naves

As flores têm a cor da sombra


Encontrei na minha mesa de trabalho um bilhete me pedindo para escrever sobre o Setor Sul. Lembrei-me dos labirintos do projeto Cura. Como eu já tinha pensado a de hoje, deixei para falar do Setor Sul noutro dia. Mas refleti sobre a função do cronista de jornal. Gosto de pensar que, de alguma forma, as histórias que escrevo ajudam a modelar a alma da cidade. Afinal, Goiânia é um teatro de dramas e comédias na dimensão humana de Curitiba, Paris, Ouro Preto, Nova York, Dubai e outros pontos civilizatórios do planeta. E o efeito sobre quem lê me interessa a ponto de fazer desse ato um deleite. Pois é. Escrever é abrir uma mina de ouro dentro do leitor.

Quando escrevo falo das coisas que brotam na alma das pessoas que moram aqui. Não uso truques para escrever. As pontas dos dedos batem junto com o coração. Para falar de política, família ou de amor elevo a alma às alturas do infinito. Creio em tudo o que escrevo. Há uma atração secundária quando escrevo crônica lírica. Penso que o escritor precisa ser inteiro quando escreve. Sendo assim, ele modela o conhecimento nas dimensões possíveis da alma. Percebo que as trevas são visíveis a quem crê, mesmo na perspectiva densa do futuro. Do ponto de vista do modernismo global, às vezes me sinto fora da realidade.

Sou careta. Um feijão-miúdo que anda nas ruas de Goiânia com o olho nas regras de trânsito que poucos seguem. Parece estranho cumprir regras num mundo com aparência de desgoverno. O meu comportamento foi definido entre vinte e quarenta anos. Aliás, o bem e o mal são engendrados neste período, quando a gente tem força para criar. Nessa idade são jogadas na terra e espalhadas no ar as sementes que vão nascer na velhice; de gratidão ou de insatisfação com o sabor amargo das lamúrias. O texto do cronista pode revelar um papel fraco, depressivo, corajoso, hilário, colérico ou, simplesmente, doce e afetuoso.

Esses conceitos, em literatura, não têm a menor importância. Não existe um padrão definitivo de comportamento dos personagens literários. Posso arriscar um palpite sobre este tema: o padrão é a “vaidade suprema” em superar os escritores mais experimentados na carpintaria das palavras. Posso dizer que, na literatura brasileira feita em Goiás, muitos são os mestres na tessitura do verbo, na elaboração precisa da trama, no uso correto do ponto e vírgula e na construção de parágrafos de primeira linha. No jogo de estilo fico com o escritor capaz de criar personagens com ideias diferentes do seu caráter.

Há um ponto na literatura em que o personagem assume o comando e termina o trabalho. Isso se dá quando o escritor abandona o próprio ego. A figura poética e misteriosa do autor deve despertar admiração de quem lê. Mas, não a ponto de seduzir o leitor a segui-lo sem a dialética textual. Porque, para o escritor sem modéstia, a pior das pretensões é imaginar que encontrou um discípulo. Volto ao começo dessa crônica. Minha reflexão sobre o ato de escrever é conclusiva: acho mais fácil escrever na primeira pessoa. Atento, escuto o que diz a alma; a minha e a dos outros. Goiânia tem histórias interessantes. Elas têm a cor do sol ou da sombra, depende da maneira com as vemos. Goiânia é plural, suas flores têm a cor da sombra.

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