domingo, 16 de outubro de 2011 | By: Doracino Naves

Alma Agradecida

Recebi com alegria o artigo de José Elias, publicado no DM de quarta-feira passada, sobre a Fonte TV e o programa Raízes Jornalismo Cultural. Agradeço-o pelas palavras amáveis. Amanhã, domingo, às 11 horas, vai ao ar o programa número 227 da série que começou em 2007. Mais de 99% dos programas são de personalidades da cultura goiana que foram entrevistadas formando uma valiosa coleção de depoimentos. Sublimados pela emoção do artista ou do escritor entrevistados. Claro, a gente também se emociona junto com o nosso convidado.

Alguns dos entrevistados chegaram às lágrimas ao relembrar alguns momentos da sua carreira. Uma marca comum em cada um destes ícones da cultura é saber contar histórias. É bom ouvir uma boa história. A arte é uma narração feita com um jeito pessoal. Seja na literatura, no jornalismo, nas artes cênicas, no cinema, na cultura popular, na música, nas artes plásticas ou na lente de um fotógrafo atento. A alma fala e se expressa melhor por meio das emoções artísticas.

Pois é. Com a alma agradecida chegamos a mais de quatro anos de programa, sempre na Fonte TV. Pensar, sonhar, escrever, falar e saber que o gênero de entrevistas é, antes de tudo, como diz Teresa Montero “uma disputa amigável feita de muitas arremetidas e outros tantos recuos” para não pressionar o entrevistado.

As conversas no programa Raízes Jornalismo Cultural aconteceram num clima alegre e de magia; com a sorte de ter o poeta Chico Perna nos primeiros programas e o Edival Lourenço, um intelectual simples e correto, como companheiros de bancada. Dois bons poetas que sabem lidar com a palavra escrita e revelam seus talentos também nas entrevistas.  Aprendi mais uma lição com o poeta Carlos Drummond de Andrade: “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta sem interesse pela resposta pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave?”.

Então, cada entrevista com um artista ou intelectual é uma peça artística que fala. Descobri com Clarice Lipector, escritora e entrevistadora, que a arte é uma busca. Mas apoderar-se da chave não é simples. Cada tem o seu próprio código de vida, afinal, artista ou não, somos indivíduos. Alguns nem precisam de uma chave; a porta está destrancada.

Lembro aqui de uma entrevista com o cineasta Cláudio Assis, diretor do filme Amarelo Manga. Assis é um pernambucano grandalhão com fama de falar palavrões em público quando se irrita. Algumas entrevistas dele nem chegaram ao fim por causa da sua boca suja. O programa seria gravado no antigo estúdio da Fonte TV, que, no começo, funcionou no subsolo da Igreja Fonte da Vida, no Setor Marista. Nesse dia cheguei mais cedo do que o costume.

De repente alguém da produção me avisa:

-Doracino, seu convidado chegou.

Recebi Cláudio Assis apreensivo com o rumo da entrevista. Aí me ele perguntou:

- Onde é o banheiro?

Meio encabulado expliquei a ele como chegar lá. O banheiro ficava um andar acima, do outro lado do prédio. Com um detalhe: ele teria que atravessar a Igreja na hora do culto. Pensei resignado: “Seja o que Deus quiser”. Depois de algum tempo ele chegou calmo e tranquilo. Olhou-me de frente:

- Não me disseram que para ser entrevistado teria que me converter.

Não sei se isso aconteceu. Mas o programa foi ao ar sem nenhuma declaração polêmica do diretor. Ao contrário, é um dos melhores programas do nosso acervo.

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