domingo, 16 de outubro de 2011 | By: Doracino Naves

Água na Ladeira

Se eu não fosse jornalista seria músico. Sou um tocador de cavaquinho frustrado que não aprendeu extrair dele uma nota sequer. Aliás, essa é a única frustração da minha infância que foi, como disse Millôr Fernandes "Dura! Dura! Linda! Linda!". O caso do cavaquinho foi assim: Meu pai, Zequinha Naves, antes de ser Coletor Estadual foi, junto com meu tio Dedé - Ezequiel Naves de Almeida - dono de cartório em Palmelo. Mas, era um cartório de uma cidade pobre do interior, pelos idos de 1955. Portanto, cartório dava pouco dinheiro e havia pouca grana para manter os filhos.Para melhorar a sua renda se preparou até ser Coletor Estadual. Tirou do seu primeiro salário uns trocados para comprar um cavaquinho. Este foi o primeiro presente que ganhei do meu pai. Pelo menos, da parte que me lembro, o presente ficou marcado pela minha falta de jeito com a música. Nunca aprendi a tocar nada em nenhum instrumento. Sou analfabeto musical; não tenho talento assim.

Palmelo naqueles tempos era praticamente rural. Acho que até hoje ainda é assim. Aprendi a nadar no Córrego Caiapó, cheio de cintilantes peixinhos miúdos no córrego raso com pequenas pedras coloridas no leito de águas claras da primavera. Atirei pedras com estilingue nas mangueiras do vizinho. Joguei futebol num campo de terra batida onde ralava meus joelhos no chão duro. Amei, no fundo do quintal, as meninas vestidas com panos de  chita. Essa fase de moleza durou até aos dez anos. Aí, num dia qualquer de 1959, a família se mudou, de mala e cuia, para Goiânia. Tempos depois, após 25 anos num escritório de contabilidade, entrei na Universidade Católica para cursar jornalismo. Isso foi em 2004. Por essa causa digo que sou um jornalista tardio. Mas, sou um animado aprendiz de jornalismo. Tento me renovar sempre no gosto pelas formas e ter nova visão dos fatos novos

O jornalismo opinativo tem o seu valor pela experiência de quem escreve. Mas, nada melhor do que uma boa reportagem. Daquelas em que o repórter sofre para apurar os fatos e, depois, satisfeito com a reportagem, dá a notícia como se houvera fisgado um peixe grande. A realização do jornalista pode vir num texto romanceado, na voz alegre de quem anuncia o fim de uma Guerra Mundial ou na expressão serena de um repórter diante das câmeras anunciando o fim de um sequestro. Acho que essa minha paixão pelo jornalismo vem da época do Repórter Esso. Pôxa, ao me lembrar dessas coisas antigas me vem a sensação de que já descambo pelo outro lado do morro.                           

E a alma da gente vai ficando por aí, perdida nas metades do outro. A gente deve ser assim, rasa e intensa como o leito de um riacho descendo a ladeira. Pois é. turvar a água do córrego não significa que elas fiquem profundas.

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