segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014 | By: Doracino Naves

Escritor Fantasma

Os fantasmas não habitam casas, quartos escuros, nem os cemitérios.Também é maluquice pensar que eles moram em outra dimensão. Na verdade somos nós quem dá vida aos nossos fantasmas íntimos.  Só a imaginação é capaz de chamar anjos ou acordar os diabinhos que se escondem num lugar da alma. Acredito em anjos e em capetas. Os primeiros são guardiões a nos guiar pela vida. Os coisas-ruins são sanguessugas nas nossas emoções; mostram sua cara feia quando saímos da linha. Então, cada um deve controlar os seus próprios demônios; os dos outros é responsabilidade dos outros. Para expulsar demônio só reza braba, mas, por causa da nossa ignorância sobre as coisas da terra ou do céu, eles voltam mais parrudos. Então, orai e vigiai sempre. O que não creio é em fantasmas empacados – tipo Erik, o Fantasma da Ópera - que nunca abandonava seu posto na Ópera de Paris.
     
Essa crônica está parecendo discurso de religioso sem bíblia ou de algum filósofo meia-boca, daqueles que copia o que diz os filósofos consagrados e reproduz como se fossem seus. Vamos mudar o rumo da nossa prosa sobre ser ou não ser. Aí eu me lembro de que Hamlet pai era um fantasma com a sua dúvida To be or not to be. Será que Shakespeare foi o fantasma de Francis Bacon? Há controvérsia. Uma coisa é certa: escrever não é uma tarefa fácil como muitos podem pensar. Por essa causa criar personagens e histórias interessantes exige talento e vocação. Se Shakespeare foi o pseudônimo de Bacon, Alberto Caeiro foi o heterônimo – personagem - de Fernando Pessoa. Em ambos sobrava criatividade. 
       
Mas, na literatura existem os escritores fantasmas – ghostwriters – que escrevem, não só discursos, mas livros ou músicas e o pagante põe seu nome na capa do livro ou CD. Por exemplo, Mozart compôs dezenas de músicas para os seus patrões da época. Diferente disso, dizem que o ghostwriter musical de Charles Chaplin foi David Raksim. Autran Dourado “era a mão que escrevia” os discursos de Juscelino Kubitscheck.  Até as famosas bulas papais foram escritas por um ghostwriter.
       
Pois é, falamos em mudar o rumo da prosa e continuamos no mesmo assunto de fantasma. Machado de Assis diz que o narrador Brás Cubas contou suas memórias póstumas. Então, Brás Cubas foi um fantasma que falava depois de morto. Por falar em fantasma que age depois de morto, Jorge Amado criou o morto mais tarado da literatura: Vadinho, que mesmo sendo defunto, não deixou de atender a safada Dona Flor.  
        
Encerro a crônica da semana com a certeza de que as aparições da fantasmagoria ululante coabitam com a nossa filosofia vã. Porém, não moram em casas ou cemitérios. Fico com a sensação de que alguém escreveu essa crônica e eu (dor) assino embaixo. 

       
Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 01 de fevereiro de 2014.  Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural (raízes.net), PUC TV, sábado, 13h30. Escreve aos sábados no DMRevista.

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