domingo, 8 de setembro de 2013 | By: Doracino Naves

Então, amigo, qual é o problema?

Um amigo pediu emprestado meu livro de poemas do Walt Whitman e não devolveu. Meses depois encontrei com ele na Panificadora Canadá, perto da Praça Tamandaré. Disse-me que ainda não havia lido o livro; nem abrira suas páginas.  Entendi como desfeita ao pai do verso livre e a mim; de verso preso. Sacanagem em dobro. No sábado anterior eu procurara sem êxito o mesmo livro no Goiânia Shopping. Emprestar livro e não receber de volta é comum; acabo transformando o empréstimo em presente. Mas, esse cara foi além: não leu e, talvez, por desprezo, guardou-o dentro de uma gaveta junto com pedaços de canetas usadas e a sua velha agenda ensebada da época da Telegoiás; merece ser processado por guardar poesia com objetos descartáveis.  

Ler é liberar pirilampos abrasados pela palavra do poeta; as letrinhas voejam irradiadas pela imaginação de quem recebe a força do verso. Poesia é a essência da vida; só a palavra poética nos salva da vida frívola das grandes cidades. A ganância da mídia por audiência só nos dá celebridades vazias, escândalos e fofocas; somos tratados como imbecis pela televisão e o cinema de consumo; arautos da violência e das vãs aspirações.

Pois é, o contraponto ao vulgar é a bendita literatura; com enlevo ela se torna memorável. E a manifestação da arte é o retrato sublime das paixões humanas com os naturais dramas e tragédias. Então, ler com a alma é o jeito mágico de acordar a luz desenhada pelos escribas; uma bíblia fechada não acende a chama da fé.

Aberto, todo livro deve ser decodificado com a paciência do garimpeiro que procura um tesouro. Pense numa coleção da Enciclopédia Britânica aberta ao poeta argentino Jorge Luiz Borges; agora a imagine trancada num baú. O que seria dos autores dos clássicos da literatura mundial sem a leitura de outros mais antigos, desde Homero. Sei que há situações em que o leitor percebe que não existe nenhuma pérola no final.

Mas, definitivamente, esse não é o caso da poesia do americano Walt Whitman, um dos maiores poetas da língua inglesa.  Se algum dia eu souber que o cara a quem emprestei o livro leu os poemas de Whitman, voltarei a chamá-lo amigo; sem aspas. Aí, espero que ele me devolva o livro para eu possa emprestá-lo a outro.

Até lá mantenho minha opinião, pois, parafraseando Dorival Caymmi, quem não gosta de poesia bom sujeito não é.  Antes do ponto final dessa crônica recebo uma ligação. Fico na dúvida se atendo ou não. Então, amigo, qual é o problema? 

(Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás - setembro de 2013)

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV. Escreve aos sábados do DMRevista.

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