domingo, 11 de agosto de 2013 | By: Doracino Naves

Céu de bronze

O céu só ouve a prece de quem é generoso com o outro.  A arrogância firmada no personalismo e a oração interesseira não abre a porta de nenhum dos sete céus  concebidos pelas escolas místicas ou religiosas. Quem é duro com o próximo não vai encontrar nenhuma moleza para que sua prece suba ao céu. E a vida sem Graça pode ser um mundo com piso de ferro e céu de bronze. Talvez seja assim ou não no campo espiritual. Ou quem sabe eu esteja doido por causa desse tempo desértico do cerrado.

Pois é, o vento de agosto, de endoidar cachorro sem dono, surfa nas ondas das correntes desorientadas a soprar todos os cantos da cidade. As árvores e as esquinas de Goiânia, varridas por lufadas de pó, se assanham com a volúpia do ar quente a sussurrar indecências nos seus ouvidos. Em outros momentos o vento cessa em orquestrado silêncio, com a intenção única de escutar a prece das pessoas por águas abençoadas. Nenhuma folha da guariroba antiga na Avenida Anhanguera se mexe. Parece que a terra parou por um instante no espaço. Somente se ouve o pipocar de bolas imaginárias com o calor descendo pelas escadas do meio dia. É nesse clima que Goiânia mostra a incontida neurastenia da seca. E a umidade do ar despenca a doze graus.
             
De repente, a ventania maluca, voluptuosa, faz requebrar o véu de uma cortina branca em balé frenético. Antes tão sossegada na sua tarefa de deter os raios de sol, agora ela se vê subjugada à fúria do vento. A senhora de pele seca e rugosa, com mãos finas e dedos longos, aparece para cerrar a cortina. O vento esvoaça seus cabelos ralos, lisos, grisalhos e cadavéricos como se fossem feitos com teias de aranha.
         
Quer saber de uma coisa? Vento de agosto dane com o pregador; levantai a saia da donzela; jogai cisco no olho do maledicente; dás uma tapa na mão do jogador e tirai dele o bilhete de loteria; correi até o oficial de justiça e arremessai para longe a ordem de despejo daquela família que atrasou o aluguel.
          
Mas, oh, vento de agosto, não tirai a passagem de ônibus da mão da doméstica que precisa voltar para casa e rever o seu filho. Ela só tem um sit pass.
              
Ah, vento, ventai muito, sem medo de ventar; o vosso destino é ventar sempre, pela eternidade afora. Afinal, vento que não venta não é vento.
            
Não permitas, vento nosso de cada dia, que Éolo, o deus grego, aprisione a tua energia secreta. Não fostes feito para serdes mercadoria. Do mesmo modo como não ventas para ganhares dinheiro a espiga de trigo não foi criada para ser vendida. Mas, embora assim seja, a semente dos grãos continuam generosas na sua missão terrena de reproduzir o de comer. Por causa da sua essência não comprometida com o lucro, os grãos continuam sua sina emblemática de plantar e colher. E nem dá bola para quem ganha ou perde; cumpre com fidelidade o seu pacto com o alto.
           
Talvez seja por essa causa que Deus abre o céu para os raios de sol, a chuva abundante e o vento que balança os grãos de trigo em sua dança de fertilidade nos campos dourados. Ai de quem mudar esse ciclo.

(Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista - em 10 de agosto de 2013).
              
Doracino naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV. Escreve aos sábados no DMRevista.
             

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