domingo, 4 de agosto de 2013 | By: Doracino Naves

Calado é melhor

Um papa generoso, cristão e sem preconceitos. Assim começou a conversa em uma banca de jornal da Praça Tamandaré, onde gente de várias crenças se reúne todos os dias. Um papa franciscano que acredita em Deus e na lei da simplicidade, disse um dos arautos da sua própria verdade. Sentado na espreguiçadeira, o teólogo que escrevera durante muito tempo sobre Deus, disse não mais acreditar Nele. Quem é Deus que ninguém vê? Nem é espírito, porque se o fosse seria inteligente para não permitir as injustiças do mundo. Foi categórico: Deus não existe.
   
O doutor, metido num terno e gravata, em sua impostergável arrogância, disse, olhando para o lavador de carro: coitado, acredita em Deus! Outro homem que se declarava católico, em pé, ao lado do teólogo, tirou de dentro da camisa o crucifixo de metal preso numa corrente de ouro. Não podemos duvidar de que Deus existe. Essa cruz me protege noite e dia. O islamita que a tudo observara calado levantou-se do banquinho de madeira. Alá é o criador de todas as coisas, cujas mesquitas estão espalhadas por todo o mundo árabe. O judeu, dono de uma galeria de lojas próxima da Praça, intervém: existem templos para todas as crenças, mas o único Deus é o de Abraão e Moisés cujo povo é o escolhido para o paraíso.
      
Um chegante ao ouvir as últimas palavras, precipitou-se em meter a sua colher de pau na conversa, mesmo sabendo que o homem de bom senso não entra numa conversa sem saber do que se fala: Então, o seu Deus é injusto, pois escolheu uma raça para dedicar o seu amor.  O pastor missionário, recém chegado de Angola, mas subordinado a uma denominação evangélica brasileira, falou firme, segurando sua Bíblia. Deus é eterno; o mesmo de ontem, de hoje e o de sempre. Só se salvará aquele que reconhecer Deus em espírito e verdade, sob a intercessão de Jesus, nosso Salvador.
Decidi que seria melhor eu ficar calado.
     
Tenho por costume nunca entrar nesse tipo de assunto; talvez por timidez. Gosto de observador as pessoas, sem, no entanto, me sentir afetado por uma só opinião. Lembrei de uma parte de um conto de Bernadin de Saint Pierre. Numa roda de homens procedentes de diversos países havia um cego que perdera a visão na tresloucada ambição de apropriar-se da luz do sol. Passava o dia olhando diretamente para o sol.  Tentara por todas as maneiras engarrafar ao menos um dos seus raios. Concluiu que se o vento não o movimenta não é um fluido; como não se pode parti-lo não é sólido; também não é fogo porque não se apaga na água. Logo, o sol não é coisa alguma. Por causa desses delírios ficara cego e, o que era pior, perdera a razão. Sua ignorância fez-no acreditar que não era a sua visão, mas sim o sol que deixara de existir no universo.
      
Talvez a mesma história se repita em relação a Deus. A vaidade das crenças e da convicção egoísta do homem é capaz de cegá-lo diante de tanta luz. Querendo tomar posse do céu não percebe que seu conceito pode falhar na tentativa de descobrir o verdadeiro sentido do mundo. Todos O têm como exclusivo; para a religião é bom que seja assim.  Mas o Templo de Deus é o universo encantador e misterioso aonde se movimentam suas criaturas. 
      
Nenhum altar é tão sublime quanto o coração do homem quando o pontífice é o próprio Deus, pleno de misericórdia e generosidade.


(Publicado no jornal Diário da Manhã - Goiânia - Goiás em agosto de 2013)
      

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (raízestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

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