terça-feira, 20 de novembro de 2012 | By: Doracino Naves

Preso na coleira do tempo

  Escolho a lerdeza da Avenida Cora Coralina à rapidez nervosa da Avenida 85 quando vou para o sul de Goiânia. Passa das seis da manhã. Os carros trafegam disputando a avenida como se dois corpos pudessem ocupar o mesmo lugar no espaço. E o mais chato é a pressa dos motoristas atrasados para levar o filho ao colégio. É o vale tudo do trânsito sem regras: furar o sinal; falar ao celular; ultrapassar pela direita; subir na calçada e, até, soltar uma das mãos do volante para tirar a cera do nariz com o dedo mindinho e limpar a meleca no banco. 
  
              Subo a Cora Coralina, a 40 km por hora; dá até para filosofar sobre a vida. Sigo à direita da pista para liberar os carros mais apressados que insistem em andar fora dos limites de velocidade. Correr sobre o asfalto molhado é mais perigoso. Tem motorista que não se liga nisso.

          Uma chuva fina cai sobre a cidade. No rádio a canção de Gal Costa que fala sobre a poeira do caminho. Pois é. O pó das eras também viaja comigo; bem acomodado num banco confortável.  Lá fora, na avenida da poetisa Cora Coralina passa carro, mas passa gente. Então, é nas pessoas que penso. Quão misterioso é o ser humano. O que pensam nesse momento? Ou, então, o que elas fazem na rua?

          Talvez seja possível tentar adivinhar pelo jeito de andar de cada uma; algumas vão de cabeça baixa, olhando os pés; outras, olham firme para a frente. Um carro liga a seta à esquerda e para no Colégio Emmanuel. Alunos uniformizados descem apressados. À direita, uma mulher de cabelos despenteados caminha com um cãozinho preso na coleira; o pó da estrada vai se misturar com as fezes do animalzinho branco.

      Um pouco à frente, um grupo jovens bocejam distraídos com mochilas coloridas nas costas. Passo pelo prédio grande de uma Universidade. Uma moça está sentada no banco do pátio da Universidade; parece contar ovelhas. Depois a Avenida Cora Coralina muda de nome: agora é Viela sem nome. É um trecho pequeno e estreito até cruzar a Avenida 86. Aí recebe um número, 132. Penso que seria melhor se continuasse a ser Avenida Cora Coralina.

      Em frente ao Clube dos Oficiais uma mulher, que parece ter quarenta anos, espera para atravessar a avenida na faixa de pedestre. Paro o carro. Ela leva, a tiracolo, uma bolsa enorme, dessas compradas na Feira Hippie. Acima dessa avenida de três nomes - mas que deveria ser somente Cora Coralina - está o Clube de Engenharia. Um funcionário da portaria recebe dois sacos plásticos da Padaria do Bairro. Imagino que os pães ainda estejam quentes.

        Leio na placa que a avenida novamente mudou de nome. Agora é Avenida 1.137. Dá impressão de que a Avenida Cora Coralina agora está mais valorizada. Estranha decisão da prefeitura de Goiânia que dá vários nomes e números a um mesmo logradouro.

        A chuva cai mais forte. Penso na poesia de Fernando Pessoa. Seria bem melhor se eu tivesse somente o céu por cima e a água por baixo. Chego rápido à Avenida Ricardo Paranhos; nome de poeta. Aqui tem mais gente na rua. E gente bonita que cuida do corpo correndo no canteiro central.
       Sinto-me cansado com o trôpego galopar de um homem que cospe a poeira do tempo para fora dos seus pulmões.

        Prefiro a lerdeza da Avenida Cora Coralina. São seis horas e meia. Olho para trás e tenho pena.

(Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista Goiânia, Goiás em 17 de novembro de 2012).  
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (raízestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

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