segunda-feira, 10 de dezembro de 2012 | By: Doracino Naves

Anjos da esquina

 
As esquinas são universais. Também são exibidas e individualistas. Eu sempre guardei rebanhos delas impressas no papel do pensamento. Já houve tempo em Goiânia em que as melhores lojas e residências estavam nas esquinas. Ter uma casa de esquina foi- por muito tempo - sinal de prosperidade. Talvez por essa razão o desenho de um edifício começa pela esquina. Arquitetos construtores de esquinas preferem-nas ao juntar cimento, ferro e madeira para amenizar a paisagem urbana. Minhas esquinas preferidas ostentam jardins coloridos.
                 
Cada esquina tem um jeito de enfrentar o açoite do vento, o calor do sol ou a solidão da lua. Há uma insofismável dualidade nas esquinas perdidas no chocalhar ruidoso das ruas. Na soleira voltada para o sol mora a luz. Do outro lado - na contra esquina - a escuridão anunciada da tarde se esconde na tristeza do pôr-do-sol. A entrada principal de um prédio de esquina sempre dá as mãos a quem passa; no outro lado- quase sempre secundário - um paredão sem janelas impede a passagem das borboletas.
                
Não importa se as esquinas se voltam para o leste, o sul, o norte ou para o oeste; elas são majestosas. E ideologicamente definidas: sempre à direita ou à esquerda da rua; nunca no centro. Anunciam-se aos quatro ventos em variadas formas, cores e alturas. Algumas - como se fosse Jacobina, o quinto personagem de O Espelho, de Machado de Assis - embora criadas para mostrar duas almas, mostram só o exterior. Mas, mesmo a esquina mais vaidosa - do tipo que se acostuma ao vazio interior - tem espelhos a refletir os dois lados. Por essa causa a intrínseca dualidade da sua existência.
               
Gosto mais das esquinas assumidamente 'esquinas' com portas escancaradas para todos os lados. Adoro as regateiras. Triste é perceber que a insegurança dos dias de hoje fecha portas e janelas.
                 
Hoje, uma porta de entrada também serve de saída. Haverá um dia em que as esquinas voltarão a serem esquinas vaidosas e felizes com portas escancaradas para todos os lados. Então, por elas passarão homens e beija-flores. E o mundo se alegrará com as esquinas povoadas de gente.
              
A esquina é o ponto mais aparente e democrático da cidade. Não discrimina ninguém. Nela fazem ponto a prostituta; o ladrão; o assassino; o apaixonado ansioso à espera da amada; os homens de negócios; o engraxate e os anjos protetores das esquinas, encruzilhadas do ócio.
             
Bendigo as esquinas com pessoas nas calçadas a espera de um milagre. A esquina é bela e antiga desde o Coliseu de Roma, o Parthenon grego, as pirâmides do Egito com o bafo da Esfinge que, há séculos, sopra o ar seco do deserto na antecâmera do rei. Oscar Niemeyer criou milhares de esquinas curvilíneas.
             
Uma leve brisa acaricia cada esquina. O exército de anjos protege-a no solitário facho de luz ao alto da torre ou na sombra que se esconde do habitual e eterno sol poente. As esquinas, planejadas para receber gente, são muralhas da finitude. Os rios perenes, estão certos de que constância de suas suas águas molharão a terra ressequida do caminho. E, então, correm apressados para o sal dos oceanos.
             
Goiânia tem muitas esquinas e o rio Meia Ponte, de águas fugidias, que corre para o sul. Fiel ao seu destino, a minha esquina dorme e acorda sempre no mesmo lugar. Na soleira da janela aceno um lenço branco aos anjos da majestosa esquina.  

(Publicado no Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás).


               Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural (www.programaraizes.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

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