sábado, 20 de outubro de 2012 | By: Doracino Naves

Assim caminha a humanidade

 
Fuço um armário de madeira onde guardo filmes antigos. Revirar objetos guardados é coisa de gente que já está passando da hora. Descubro que os meus filmes preferidos estão gravados em fitas videocassete.
 
- Onde está o nosso videocassete?
 
- Isso nem existe mais. Agora é DVD. Outra coisa: joga fora essas fitas com músicas que o som do seu carro não é toca-fitas; é toca CD. Tem uma pessoa aqui no prédio que transforma esse lixo em coisa atual. Pede para ele fazer isso. Assim você vai entrar na modernidade.
 
Olhei mais uma vez a coleção de filmes. Atentei-me ao tempo que passa inexorável igual às águas do rio que nunca voltam. Para onde foi aquele menino que empinava papagaios? Cadê o adolescente que colecionava gibis. Para onde foi a alegria juvenil de quem se divertia com as trapalhadas de Peninha, personagem que Walt Disney criou para atazanar a vida do Pato Donald. Minha coleção está empoeirada e decadente. Eu também.
 
Paul Auster, escritor americano, disse em A Invenção da Solidão: “Envelhecer é a coisa mais estranha que pode acontecer a um garotinho”. Volto aos filmes. Filmes são sínteses. Na primeira metade do século passado o cinema foi o símbolo do Monte Olimpo. Os atores, deuses... da sétima arte.
 
Pobres filmes esquecidos. Ricas histórias guardadas no armário escuro. Elas precisam, literalmente, de luz para falar. A Sinfonia Pastoral, de André Gide, prêmio Nobel de Literatura de 1947, foi o primeiro a aparecer entre meus dedos: é a história de uma menina cega criada entre pastores de ovelhas. Depois, já moça, recupera a visão. Mas, se depara com a necessidade de conviver com o amor e o ódio dos pais adotivos.
 
Apalpo com carinho a caixa do filme Palmeiras Selvagens, de William Faulkner, feito em que 1949. Eu nasci nesse ano. Alguns anos depois, em 1956, Faulkner disse em uma entrevista que o artista não tem importância; só é importante o que ele cria. Foi ainda mais contundente quanto à literatura: Se Homero, Balzac e Shakespeare ainda vivessem, os editores não precisariam de mais ninguém para escrever. Ele ainda afirma que todos os escritores repetem a mesma coisa.
 
Meu indicador desliza sobre os títulos de alguns clássicos: A dama das Camélias(Dumas); A Revolução dos Bichos (George Orwel); De Salto Alto (Pedro Almodóvar); Fausto (adaptação da obra de Göethe); Germinal (Emile Zola); Hamlet (Shakespeare); O caçador de pipas (Khaled Hosseini); Os Miseráveis e Corcunda de Notre Dame (Victor Hugo); O crime do Padre Amaro(Eça de Queiroz); O nome da rosa(Umberto Eco) com Sean Connery e O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry.
 
Tem outros filmes dentro do armário. Mas, o que eu procuro é Crime e Castigo, filme russo feito em 1969, dirigido por Joseph Sargent. Essa é a melhor adaptação do livro de Dostoiévski. A história se passa em São Petersburgo, na Rússia, por volta de 1830.  Quero ver o filme para compará-lo com a releitura que faço do livro. Aquele armário antigo me mostra outras preciosidades do cinema.
 
Duas Mulheres - estrelado por Sophia Loren - abre um sorriso enigmático. Esse filme, feito em 1960, ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, foi dirigido por Vittorio de Sica.Sophia me faz lembrar o poeta Mario Quintana que, bem humorado, contou numa das 130 historinhas adaptadas por Juarez Fonseca, que caiu da cama porque sonhara com a fogosa atriz italiana.
 
No canto esquerdo do armário – chamando a minha atenção para revê-lo - está o filme Assim caminha a humanidade, com Rock Hudson, Elizabeth Taylor e James Dean.
 
(Publicado no Jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás)

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV(www.raízestv.net). Escreve aos sábado no DMRevista.

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