terça-feira, 10 de abril de 2012 | By: Doracino Naves

Tempo Inexorável

Se existe uma coisa que me dá medo é o tempo. Não do tempo em que um dia vai me levar em suas asas para o além. Mas o tempo que corrói os objetos de estimação transformando-os em pó. Os meus sapatos samello, à Marlon Brando, de amarrar, disformes, foram abandonados. As minhas roupas que se gastaram para proteger a minha pele também foram deixadas de lado. Ah, como era gostosa aquela camisa de algodão! Coitada da camisa; virou pano de chão e os sapatos,chutados pelos meus pés, jazem num lixão qualquer.

Eles acompanharam minhas andanças urbanas fiéis ás inquietações de antigas madrugadas. Até aquela calça de pitex inglês, parece que foi feita com fibras de urtiga, foi comida pelas traças. Olha só a besteira que eu fiz: usar tecido europeu no calor seco de Goiânia. Estreei a calça numa matinê do Cine Goiás, na Avenida Anhanguera. De lá até a Vila Nova, a pé, com o sol forte, as fibras do tecido estouravam imitando igual mamona madura.

Irritado, literalmente, pelo espírito fogueteiro daquela calça eu decidi que nunca mais elas vestiriam minhas pernas. Traumatizado depois dessa só usei calças de tecido mais leve, de preferência o brim.

Volto ao tempo! Era disso que eu falava. Ele consumiu também os bancos de madeira que suportaram o peso largado de tanta gente em cima do coitado; ele se entortou todo. Até um cavaquinho, presente do meu pai com o seu primeiro salário de coletor estadual, fugiu com o inexorável tempo. Acho que, desprezado pelos meus olhos, o cavaquinho se rendeu à umidade do fundo de um armário também derretido pelo tempo. Só ficou a forma desses objetos, guardada no porão da alma. Até meus filhos, pequenos, transformados pelo tempo, se fizeram adultos.

Nisso eu ganhei, pois outros pequeninos, os netos, frutificam meus sonhos que se constroem nas linhas invisíveis de emoções incontidas, guardadas no porão da vida. Pois é. Lembro Vinícius de Morais para quem os maiores sentimentos estavam ligados a três acontecimentos: ao nascimento dos filhos; às posses e aos adeuses. Por falar em Vinícius o tempo também o levou a mais de 30 anos. Suas estrofes, eloquentes, guardam o fôlego do espírito do poeta que, simplesmente, amou o amor.

Seus poemas e frases, cujo tempo tem todas as cores, trazem no ritmo das palavras o contorno da criação sublimada pelo verbo.Sua arte, eterna, continuará natural como a fonte que borbulha para depois encontrar o seu leito intencional. Qual é a missão da arte? Penso que é contagiar o espírito igual ao fogo que se propaga no capim seco do cerrado.

O poema da vida revela os sentimentos; superioridade da alma. Mesmo assim o tempo se arvora em devorar objetos e formas. E eu vou junto.

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