terça-feira, 17 de abril de 2012 | By: Doracino Naves

A poesia bole com os astros

Nem a linguagem é suficiente para entender o coração. A música, por exemplo, é uma expressão humana eloquente, como são os chamados dos pássaros ou as marcas deixadas pelos lobos para delimitar o seu território. Tampouco os cinco sentidos são capazes de perceber o que está no coração do outro. Não exploramos o mundo cheirando tudo o que vemos como fazem os outros animais. A comunicação é uma forma de caminhar juntos e desenvolver formas de expressão dos sentimentos. Desatentos ao outro, nem sempre captamos o que vai na sua alma.



A palavra exige sinais; embora isso não seja suficiente para tocar as emoções. O gungunar dos homens, se não vira companhado de luz, se perde no ar como os sons de uma perereca no pote. De todas as formas de manifestação da alma, a escrita é a que sublima a linguagem.Seguindo a trilha de Homero, em sua Ilíada, a escrita também pode trazer a marca de algo arrepiador. Mas, sinceramente, para que serve a palavra escrita?Aqui eu lembro uma crônica do Luiz Fernando Veríssimo que considera Pelé o melhor professor de português do Brasil. Pelo fato de que tudo o que Pelé fazia em campo era uma progressão para o gol. Mesmo que ele fizesse uma besteira a caminho do gol teria sido por obrigação de ofício. Escrever, então, é mexer nas balizas do universo e atingir o objetivo colimado.



A poesia bole com os astros, toca alua e move as estrelas. O poeta, esse encantador de palavras, vai mais longe.Desperta sonhos e faz o leitor viajar pela magia do verbo, ao som de Alexandre,de Debussy. Gosto de ouvir o poeta dentro da minha própria cabeça. Não gosto de ouvir um poeta declamar o seu próprio poema. É desconexo e humilhante. Soa estranho quando comparado à nossa percepção sobre a ideia do autor. O melhor poema aos nossos ouvidos é o que é lido, sem palavra, ao som de um fundo musical, real ou imaginário.



Mas, fora o sonho, escrever é uma temeridade. Às vezes fico com a impressão que o meu escrito puxa a orelha de alguém. Aí puxo a minha própria para não errar mais nisso. Nessa linha de pensamento, então, ler é bisbilhotar o que o outro escreve; espiar os sentimentos do escritor. Quem escreve quer ser lido, bisbilhotado; que o seu mundo de palavras seja invadido, mesmo que por mera curiosidade. Para Rubem Braga escrever é viver em voz alta.



A linguagem escorreita alcança os sentimentos escondidos na alma. Lembro-me do canário da Vó Sinhá, nos tempos de infância no Porto dos Barreiros, que emendava o verbo melódico de Debussy à primeira nota musical de Alexandre. Seu peito estufava de orgulho por dizer a palavra completa. Talvez alguma palavra escrita aqui sirva para iluminar remotas esperanças.

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