sábado, 14 de janeiro de 2012 | By: Doracino Naves

Cantando na chuva

Do primeiro guarda-chuva ninguém esquece. Com a chuvarada de janeiro comprei o meu primeiro guarda-chuva. Com ele rodopiando acima da minha cabeça descobri que a tristeza com as chuvas demoradas era porque eu ainda não tinha um guarda-chuva. Hoje, circulo feliz pelas ruas de Goiânia com o meu guarda-chuva. Ele me protege da chuva e me faz sentir importante.

Os primeiros pingos sempre choviam nos meus óculos de míope desembestado. Por uma lógica desesperadora o primeiro pingo invariavelmente cai nos óculos do míope ou na cabeça do careca; a lei da probalidade é um mistério. Mas, as ruas de Goiânia, alagadas com as chuvas, choram de saudade do sol. Suas lágrimas correm ao mar. Volto o meu pensamento ao guarda-chuva novo.

Este guarda-chuva é vistoso como nenhum outro de Goiânia; haste de metal que, num leve toque, abre um morcegão a proteger os meus óculos dos pingos renitentes. O meu guarda-chuva tem cobertura de seda com desenhos ondulados lembrando o calçadão de Copacabana. Mas, com vista na tradição secular, a sua imagem me vem acompanhada de um chapéu de feltro e um terno com casaco contra a molhança. Nos pés, as galochas de borracha do começo do século passado. Andar com um guarda-chuva me recorda o modelo luxuoso de Nova York, Paris ou Lisboa, visto no cinema. Um companheiro imprescindível da elegância aristocrática e cosmopolita dos séculos passados. Ou, na versão tupiniquim, um luxo são-paulino ou curitibano. A chuva delirante de janeiro cai a cântaros.
Sonho com o veranico a iluminar o tempo cinzento. Mas, pelas previsões do tempo este ano o veranico vai atrasar. Talvez em fevereiro - quem sabe até o carnaval - quando o mundo cristão entra numa quarentena de dar dó. Em Goiás a quarentena só termina com a luz das tochas dos Farricocos. O clima de chuva deste janeiro me faz sentir, em Goiânia, como se estivesse na Europa. E o guarda-chuva é o meu abrigo nas sombras do dia chuvoso. Vou cantando na chuva os versos de Jorge Benjor: “Chove chuva, chove sem parar...Pois eu vou fazer uma prece/ Prá Deus, nosso Senhor...”
Cantando assim, também me dá vontade de dançar com o meu guarda-chuva. O problema é que tenho a coluna dura para essas coisas. Não sou nenhum Gene Kelly, do filme Dançando na Chuva, que marcou época no cinema. Com a leveza de um atleta, atravesso a Praça Tamandaré rumo à engraxataria do Gilmar. Não me lembro de me sentir tão por cima com o meu guarda-chuva de figuras onduladas no teto. Discretamente, levanto o braço para aumentar a minha altura.
São seis horas e meia. O engraxate Gilmar me recebe com alegria. Fecho o guarda-chuva e o deixo de fora da porta. Fico de olho nele. O meu celular, aquele chato que me acordou as cinco manhã, ficou obsoleto nesse dia de chuvas intensas. Deixei-o em casa. O Guarda-chuva silencioso e amigo tomou o seu lugar nos meus cuidados.
-Tem chovido, heim!
- Pois é, Gilmar. Há muito que não chove tanto.
Ele responde com tristeza no olhar:
- Quando eu ainda era criança, em Palmeiras de Goiás, choveu uns 20 dias sem parar. A lenha para acender o fogão ficou encharcada. Não tinha lenha seca nem para cozinhar. O gás de cozinha ainda não era conhecido na cidade. O jeito foi queimar os sabugos de milho guardados no paiol. Ficou impossível trabalhar na roça. Com cinco filhos para alimentar a situação ficou difícil.
Contei uma história curta de uma das minhas histórias:
Antigamente, no final da Avenida Goiás – onde hoje é um Banco – tinha um depósito de lenha. Em Goiânia, nessa época, só os ricos utilizam o gás na cozinha. Aí, quando a chuva invernava o horizonte, algumas famílias da Vila Nova e Setor Pedro Ludovico, então os bairros mais pobres, passavam fome.
Pois, é. Antigamente era assim.
Saio da engraxataria da Praça Tamandaré, abro o meu guarda-chuva e, serelepe, deixo que o vento faça o movimento rodopiando os desenhos em forma das ondas do mar. Percebo que o guarda-chuva é uma das maiores invenções do homem. O governo deveria distribuir mais guarda-chuvas à população. Posso não entender de guerras. Mas, hoje, entendo a importância dos guarda-chuvas.

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