quarta-feira, 27 de agosto de 2014 | By: Clara Dawn

Passarinho afogado

Escrever me faz saber melhor o que não sei.  Um ato que abre a possibilidade de me descobrir quando me enxergo no outro. A inspiração artística é uma Graça Divina; o momento mágico em que o Ser se desliga das coisas humanas. Deus e o Silêncio criativo são presenças inefáveis. A Graça, imprevisível, pode chegar silenciosa num lampejo dourado ou se esvaziar dela por longos períodos.
                
Nesses momentos de inspiração a alma transpõe o mundo para encontrar a Graça nos deleites da poesia. Talvez seja correto dizer que toda arte provém de uma mágia transcendental. Quem sabe a gente pode afirmar que as obras primas dos grandes artistas são psicografias. Talvez...
                
Recordo de uma resposta de Alceu de Amoroso Lima – Tristão de Ataíde – à Clarice Lispector sobre “o que pretendem de mim os meus livros?”.
                
“Você, Clarice, pertence àquela categoria trágica de escritores, que não escrevem propriamente seus livros. São escritos por eles. Você é o personagem maior do autor dos seus romances. E bem sabe que esse autor não é desse mundo...”
                 
Quando escrevo prefiro a escrita mágica, poética, à escrita lógica, fundamentada somente no factual. O romantismo, simbolismo ou modernismo - resumindo as fases ou tendências da literatura: a revolução literária de 1920 somada às crônicas do mestre Rubem Braga são modelos suficientes para sacudir as favas penduradas na árvore do tecnicismo literário. Escrevo de olho na poesia singela da vida; subjetivo na objetividade característica do jornal.  O contraste entre a notícia crua e a interpretação pessoal do cronista dá força para esse gênero literário sobreviver. A notícia pode ser um motivo para a crônica, por envolver pessoas e situações interessantes. Mas, sob o ponto de vista literário, é dispensável. Perfeitamente dispensável. Pelo fato de que a crônica é livre para voar aonde a alma for.
                  
O cronista recolhe do dia-a-dia os fragmentos da vida, depois reúne tudo isso num texto organizado com a intenção de seduzir o leitor. É como tirar da água um passarinho afogado e dar-lhe vida.

Nesse processo gosto de tudo que me lembra a poesia...até do que escrevo. Às vezes...

Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, www.raizesjornalismocultural.net, PUC TV, sábado, 13h30. Escreve aos sábados bo DMRevista.

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