segunda-feira, 2 de junho de 2014 | By: Clara Dawn

Néctar dourado

 Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 31/05//2014
 Escrever é retirar o pensamento da clausura. A palavra, como se fosse deus grego, pode ficar invisível ou desaparecer sem aviso. O verbo vai e vem feito uma brisa a conduzir afetuosas opiniões. Às vezes o texto se impõe por intermédio de uma personagem ou aparece num raio luminoso que põe a sua marca no processo criativo. Noutras foge como se fosse icor, o néctar dourado que flui das artérias da alma.
  
                 Atena! Oh, sábia deusa Atena! A graça divina do pensamento flui no verbo e na invenção das artes, da mesma forma em que concedestes a Diomedes o poder de enxergar os deuses invisíveis da mitologia grega. Concedas aos artistas a ousadia do jovem rei de Argos que rasgou o delicado vestido de Afrodite com sua lança; fez Apolo sair da nuvem de poeira e expulsou Ares à mansão de cristal do Monte Olimpo. Na cultura de todos povos, Afrodite representa a beleza literária. Apolo, a inspiração artística. Ares, símbolo do medo, brande a sua acha gigantesca na luta contra as invenções do espírito do homem.

                  Leva-nos, Atena, ao alto do Monte Pérgamo, onde Apolo colocou Eneias - filho da deusa Afrodite e do mortal Anquises - para formar a descendência romana e a linguagem latina. É deste lugar, sábia Atena, de onde vêm as gotas de ouro da inspiração que cai no registro da Flor do Lácio. A língua portuguesa imprime com sangue latino a verve de Camões, precursor da poesia expressa em nosso idioma. O autor de Os Lusíadas inicia nessa epopeia o grande desafio que estabelece a mais forte influência da literatura brasileira.

                  A língua portuguesa tem regras lógicas, inclusive a crase. Fique sossegado: crase não é tão feia quanto se imagina.  Basta entender o conceito do que é a crase. Para começo de conversa, não existe crase antes de palavra masculina. Apolo não andava a cavalo. Percebe? Não tem crase. Há uma exceção quando se usa moda ou maneira. O herói do desenho usa o martelo à Ares. Aí tem crase.

                   Também não se usa a crase antes de nome de cidade. Exceção quando se atribui uma qualidade à cidade: Vou a Grécia não tem crase. Mas, se eu disser: vou à Grécia de Platão tem crase. O uso da crase tem outras regras práticas. Essa crônica está ficando chata. Devo encerrá-la.

                   A palavra saiu sem dizer aonde ia. Os personagens dessa história partiram envolvidos num raio luminoso rumo a uma montanha bem alta. E o pensamento ficou preso na impossibilidade de escrever mais. 


Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 31/05//2014. 

                 

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