segunda-feira, 26 de maio de 2014 | By: Clara Dawn

Torrentes de loucos


   
Publicada em 23/05/14 -Diário da Manhã - Goiânia - Goiás
  Vamos imaginar que eu e você, leitor, somos velhos amigos. Então, entre nós, há sinceridade para abrir os segredos guardados na memória e nas experiências da vida. O dia a dia, de recordações e vivências, é uma fonte de histórias interessantes. Acreditar nas percepções da vida é uma necessidade de quem escreve. Acredito no que escrevo; por isso alinhavo as histórias coloridas com o pincel da minha imaginação e faço a minha tarefa literária da semana com o pensamento no leitor. Se não tenho muitos leitores, gosto de pensar que é uma multidão.  

     Antes de prosseguir com o tema de hoje revelo o meu espanto com a escritora Patrícia Secco que mutilou a obra de Machado de Assis em troca de um milhão de reais do Ministério da Cultura. Ela jogou por terra a construção gramatical da linguagem única do autor de O Alienista que, nessa revisão, perdeu o encantado ritmo narrativo machadiano. E aí, Edival Lourenço? Pois é, professor José Fernandes. Agora que pensava ter aprendido a usar o ponto e vírgula, vem essa mulher, em nome do acesso à leitura, a retirar esse sinal de pontuação da obra fundamental do criador da Academia Brasileira de Letras. Completa heresia. Machado de Assis sem estilo é o fim da picada.  Mas, por pirraça, não paro de usar o ponto e vírgula; acho-o chique.

     Já que lembro Machado de Assis, escrevo no seu ritmo como se estive deitado em uma rede da Bahia; calma e buliçosa como são as baianas de Dorival Caymmi.  É manhã de sábado. Imagino o amigo leitor sentado numa cadeira na sacada do prédio ou debaixo de um guarda-sol de piscina; com as pernas sobre uma mesinha. Abre o jornal e lê as notícias do dia. No espaço que me é reservado no DMRevista está a minha crônica semanal.

      Cada um de nós tem um jeito de ler jornal. Posso imaginar o leitor dentro do carro a folhear com dificuldade as folhas do jornal sobre o volante. Como você me permite ser seu amigo imagino-o a pegar um DM antigo. Como não tem outra coisa para ler sente-se atraído pelo título desta crônica e lê.

       Quem escreve deseja encontrar um leitor imaginoso. Assim, a gente viaja juntos pelo tempo. Lembrando das boas e más coisas do passado como se fosse uma folha seca de laranjeira dentro de um diário de memórias ou o edifício que ruiu com o peso do telhado.  Para um autor que tem um leitor romântico o futuro de utopias é real. Mas, é preciso ter a fé de Abraão para perceber que existe algo verdadeiro no fim da linha.

        Aí, o leitor ajeita os óculos e começa a ler. Do modo como somos amigos sinceros, podemos imaginar tudo. Uma poesia de Fernando Pessoa faz psiu! “Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua. Passo e fico, como o Universo”.

Publicado no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em maio de 2014.

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