terça-feira, 17 de dezembro de 2013 | By: Doracino Naves

Irmão coragem

Estava entrando na panificadora Canadá quando Wilton Cerqueira me pergunta se fui amigo de Santillo. Respondo sim. Na verdade, ocupei dois cargos de menor importância no seu governo. Ser amigo de Henrique Santillo – coisa que não fui, mas gostaria de ter sido - é uma honra, porque ele é exemplo irretocável do político ousado, coerente e honesto.

Sua luta inspirou muita gente nesse rumo. Cerqueira, esse amigo certo de Santillo, continua sendo uma espécie de anjo da guarda dos parceiros do ex-senador e ex-ministro da saúde. Enquanto governador de Goiás Henrique enfrentou períodos muito difíceis na sua administração: a inflação do governo Sarney, o Césio 137 e o fogo amigo que barrou as verbas federais destinadas a Goiás nesse período.
        
Tenho boa lembrança do irmão coragem do MDB; um político destemido e culto. A essa virtude se somam a generosidade e o bom caráter da sua personalidade que, com carinho, foi o médico e enfermeiro da esposa, Sônia, enquanto ela esteve doente. Também cuidou da casa e da cozinha; porque dinheiro para pagar empregados já não havia.
       
Talvez essa tenha sido a causa do abandono da maioria dos amigos. Marconi Perillo, depois de eleito governador, devolveu-lhe um pouco da merecida dignidade ao indicá-lo para o Tribunal de Contas do Estado. Sofreu na carne e na alma a verdade intolerável dita por Nelson Rodrigues: o amigo não existe. Viveu sua solidão política na companhia da esposa indispensável em sua vida; “a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal”.
      
Agradeço a Deus pelos amigos que conversam comigo no restaurante, no velório, na esquina, no supermercado, na padaria. Amei a conversa agradável com o Dr. Wilton sobre Henrique Santillo. O melhor amigo é aquele com quem cruzamos por um instante. Assim, sem altercações, podemos ser cordiais um com o outro e falar de amenidades. Como disse o autor de Vestido de noiva, o trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência.
     
Despedi-me de Cerqueira; pensei na finitude. Dizem que na hora da morte a gente se lembra de coisas boas ou tristes. A visão da rua em frente à panificadora fica embaçada, e desejei que tudo que ouvira não tivesse acontecido. A morte deve ser assim; todas as aflições se apagam e se dissolvem na vida futura de desejadas virtudes.
      
Olhei novamente a rua e, através da chuva fina, adivinhei prédios, homens e mulheres com guarda-chuvas e sombrinhas.
      
Percebi, então, que o meu mundo é real e gritante.  Tudo aqui é visível, inclusive a canalhice na política e, agora, no futebol.
     
Santillo é a própria imagem do político correto, e não o esquecerei tão cedo.

   
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (WWW.raizestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.

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