quarta-feira, 14 de setembro de 2011 | By: Doracino Naves

Inefável Solidão

Pensei noutro dia: se morasse em Porto Príncipe poderia encontrar a minha casa amassada pelo terremoto. Com essa possibilidade fui mais fundo no meu devaneio: numa cidade destruída é impossível planejar a vida, ir à feira, ao cinema, andar à toa, assoviar despreocupado. Tudo isso é improvável. O impacto de um desastre desfaz os sonhos. Mas o choque das emoções desperta palavras. E elas flamam da alma soltando faíscas. A sensação que a gente tem, quando se escreve com emoção, é a de que esgotamos o verbo na última palavra. Bate desespero como se nunca mais fôssemos capazes de escrever coisa alguma. Prostramo-nos inertes como abelhas que perde o ferrão ao defender o seu território.

Goiânia é uma grande colméia humana. Cada pessoa tem uma função e vem ao mundo para realizar a sua tarefa. No seio da imensa cidade nasce uma solidão plasmada em nossos olhos cansados. O vento balança bandeiras e árvores; arrasta papéis e pode até arrancar o telhado das casas. Mas não leva o cheiro da cidade e nem o cheiro do próprio vento. Também não leva as coisas mais leves como o pensamento. Nem o som do violão que meu pai tocava se desfez com o vento. Dizem que na arte o filho acaba puxando aos pais, eu não. Nunca aprendi a tocar violão ou o cavaquinho que ele me deu de presente quando recebeu o primeiro salário de fiscal de rendas do estado. Só imitei dele a voz de barítono; porém, desafinada. Nem no banheiro consigo me ouvir. Sou uma tragédia cantando. Dançando, então, pareço o Maguila no balé. Só solto a minha voz no coro da multidão da igreja e os meus ouvidos se escondem no som do grande coral. Sempre atravesso a música. É aí que percebo olhares enviesados e testas franzidas de reprovação. Outros negaceiam. Uma velhinha sentada à frente me sorri com cumplicidade. Senti conforto naquele gesto; ela é uma cristã de verdade!

Assim devem ser as pessoas nas grandes cidades. Somos cidades ambulantes; as emoções são casas que precisam de asseio e luz. E, claro, cuidados para acolher as almas solitárias que se esgotam na folia. Estamos no carnaval de 2010. É o maior período de ócio no Brasil. O carnaval é uma invenção da burguesia medieval que considerava o trabalho uma indignidade.  E intercalou os festivais com os momentos de oração e trabalho para dignificar a vida. Outros povos, como os chineses, fazem poesia e se dedicam à natureza nos folguedos; os gregos folgados filosofam na Atenas ensolarada. 

Pensando assim caminho pelas ruas desertas do centro de Goiânia. Já andei por todos os caminhos desta cidade. Goiânia é uma bela cidade. Mas, penso nos homens e meninos que vagam pelas ruas com suas casas mergulhadas em inefável solidão. Uma quaresmeira deixa cair flores temporãs sobre a minha cabeça.

Doracino Naves é jornalista, diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.raizestv.net)

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