quarta-feira, 14 de setembro de 2011 | By: Doracino Naves

Caçador de Jatobá

Fevereiro é um mês pequeno. Neste ano então ele chegou rachando mamona de tão quente. E como faz calor, até os tatus se escondem na sombra fresca da terra. O vento que sopra da Vila Nova passa pelo Bosque do Mutirama e refrigera um lado do Bairro Popular. O vento sudoeste, soprado pelo Bosque dos Buritis e Lago das Rosas refresca o outro lado. O Bairro Popular tem sorte por estar nesse lado de Goiânia.

É, Bernardo Élis, o veranico de janeiro agora é em fevereiro. Capricho do clima desta era de fogo no planeta. No meio do antigo Bosque do Botafogo tem um córrego. Hoje corre em seu leito uma água gosmenta do esgoto injetado em suas veias. Ontem, que saudade, a água bestava enrolada nas curvas da mata e, no abrir da copa das árvores, o sol dourado brilhava nas “pedrinhas de estilingue” depositadas por Deus no fundo da água rasa.

Nessa época a gente atirava pedras para derrubar os bagos do jatobá que caía escorregando no capim até a beira do córrego. Dentro da fava tem farinha que, molhada pela saliva, gruda nos dentes igual dentadura de boxeador. Comer jatobá é coisa de menino peralta; é ruim demais. Perto da pinguela um pé de guapeva paria galhos retos com forquilhas fortes; cortadas a canivete para fazer estilingue.

Num ipê amarelo os ninhos de guacho balançavam ao vento. Uma rajada mais forte ameaçou derrubar os ninhos. Um guacho com uma mancha vermelha no peito, igual coração, vigiava o seu ninho construído com ramos secos. Seco  estava o úmido e único beijo roubado da Gracinha, no Cine Santa Maria. Debaixo do pé de guapeva uma menina de pernas magras passou rumo à lavanderia pública.

No fim do dia, num sábado calorento como neste fevereiro, lá vem o Janjão de roupa nova. Ia ao cinema ver “E Deus criou a mulher”, com a  Birgitte Bardot. Filme proibido para menores, como nós, caçadores de jatobá. Brigitte e Roger Vadim... Homem de sorte o Vadim. E de uma visão impressionante! Seus olhos descobriram, literalmente, as mais belas deusas do cinema.  Brigitte, Catherine Deneuve e Jane Fonda. Só este feito o faz merecedor de Premio Nobel. Não sei em que área. Talvez de descobridor de deusas. Este é a minha opinião de cinemeiro.

Bem que ele merecia pelo menos um “oscarzinho”. Um amigo me perguntou o tema dos filmes da Brigitte.

- O filme é sobre o quê?

Ô perguntinha difícil de responder! Penso que a tarefa mais difícil de quem faz cinema é a de redator de sinopse. Nenhuma história é de um assunto só. Como esta crônica que vai enrolando e passando de uma conversa para outra sem que o autor se dê conta de que o seu espaço já era...

A alma, de saudade, estala como mamona no asfalto quente de fevereiro. 

Doracino Naves é jornalista, diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural , na Fonte TV (www.raizestv.net)

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